Caso clínico publicado no AJKD ([link](https://www.ajkd.org/article/S0272-6386(17)30846-6/pdf)):
Um homem de 58 anos, hipertenso e em tratamento de hemodiálise devido à Doença Renal Crônica (DRC) causada por Vasculite ANCA, foi internado devido a um quadro de rebaixamento do nível de consciência, confusão progressiva e alucinações visuais.
O paciente estava sem realizar diálise há 5 dias, uma vez que não compareceu à sua última sessão. Além disso, estava em tratamento com baclofeno 10mg a cada 8 horas há uma semana devido a espasmos musculares. Familiares relataram que ele estava assintomático nas 4 semanas anteriores à admissão.
Medicamentos em uso: anlodipino 5mg 1 vez ao dia, carvedilol 50mg 2 vezes ao dia, atorvastatina 40mg 1 vez ao dia, pantoprazol 40mg 1 vez ao dia e sevelamer 800mg nas refeições.
Exames iniciais: Uréia 62 mg/dL, Creatinina 12,8 mg/dL, Sódio 136 mmol/L, Potássio 4,8 mmol/L, Bicarbonato 21 mmol/L, Hemoglobina 11,3 g/dL, TGO 31 U/L, TGP 24 U/L e bilirrubinas 0,6 mg/dL.
Uma investigação por meio de tomografia computadorizada (TC) de crânio foi realizada para afastar a possibilidade de um acidente vascular cerebral hemorrágico. Exames como hemoculturas, exame de urina e TC de tórax foram conduzidos para excluir causas infecciosas como origem do quadro de confusão mental.
Diagnóstico: Foi diagnosticado um estado de alteração do estado mental agudo devido à intoxicação por baclofeno, exacerbado pela falta da sessão de hemodiálise.
Evolução clínica: Após a suspensão do baclofeno e a realização de apenas uma sessão de hemodiálise com duração de 4,5 horas, taxa de filtração de sangue (FS) de 400 mL/min e taxa de diálise (FD) de 800 mL/min, o paciente teve uma rápida melhora e retornou ao seu estado mental normal, sendo então liberado do hospital.
Discussão: O baclofeno é um agonista seletivo do receptor GABA-B (ácido γ-aminobutírico) utilizado para tratar espasticidade muscular decorrente de doença na medula espinhal. A dose padrão é de 5 mg, três vezes ao dia (máximo de 80 mg/dia). Esse medicamento é também utilizado off-label para tratar neuralgia do trigêmeo, soluço intratável, nistagmo adquirido, refluxo gastroesofágico e dependência de álcool e cocaína.
O baclofeno é metabolizado pelo fígado e excretado pelos rins, o que aumenta o risco de intoxicação em pacientes com disfunção renal.
Cada vez mais casos de intoxicação por baclofeno estão sendo relatados na literatura, principalmente em pacientes com doença renal. Este é um artigo interessante que discute esse tópico e chama a atenção para a necessidade de reduzir o risco de intoxicação riscos em pacientes com DRC, seja ajustando a dose ou evitando o uso.
Os sintomas de intoxicação por baclofeno incluem: encefalopatia, mioclonia, ausência de reflexos, hipotonia, convulsões, coma, hipotermia e comprometimento cardiorrespiratório.
Há orientações para ajuste da dose de baclofeno em pacientes com DRC, sugerindo uma dose reduzida de 5 mg por dia se a taxa de filtração glomerular (TFG) for inferior a 30 mL/min em pacientes não dialíticos. Entretanto, modelos experimentais indicam que o uso deve ser evitado em pacientes com TFG < 30 ml/min/1,73m².
Um aprendizado importante é a necessidade de monitorização da função renal em pacientes sob tratamento com baclofeno, especialmente se tiverem DRC. Além disso, a terapia dialítica se mostrou eficaz na remoção do baclofeno e na melhora do estado neurológico de pacientes com intoxicação, sendo uma opção para aqueles com intoxicação grave, convulsões ou comprometimento cardiorrespiratório.
O artigo sugere o seguinte fluxograma para ajuste de dose:
