Urolitíase por ácido úrico é guiada sobretudo por pH urinário persistentemente ácido.
* **A boa notícia:** corrigir o pH dissolve e previne a maioria dos cálculos.
* **A difícil**: nos refratários, o manejo precisa ser sistemático, com titulação de alcali, checagem de adesão e, quando necessário, xantino-oxidase e escolhas cuidadosas entre citrato de potássio e bicarbonato de sódio.
##### **1) Essência fisiopatológica (por que o pH manda)**
O equilíbrio H⁺ + urato⁻ ↔ ácido úrico desloca para a direita em pH ácido, reduzindo a solubilidade. Só para termos uma noção, 95% do ácido úrico torna-se solúvel em pH \~ 7
• Meta de pH: 6,5–7,0 (acima disso cresce risco de fosfato de cálcio).
• Hipervolume: urina ≥2 L/dia reduz supersaturação.
• Hiperuricosúria pode agravar, mas o principal gatilho é pH baixo.
##### **2) Roteiro de manejo — do básico ao refratário**
###### **Passo 0 – Confirmar o alvo**
• Composição do cálculo (essencial para diagnóstico preciso e metas terapêuticas).
• **Fatores predisponentes**: gota, DM/Síndrome metabólica, diarreia crônica, baixa ingesta hídrica.
• Urina 24h (volume, pH, ácido úrico, citrato) e pH domiciliar (pode ajudar muito no manejo, é possível comprar baratinho pela internet).
###### **Passo 1 – Iniciar o “tripé” para todos**
• Hidratação: orientar volume para urina ≥2 L/dia (distribuir ao longo do dia e um copo extra à noite).
• Alcalinização (preferência: potássio): alvo pH 6,5–7,0.
• Dieta: reduzir purinas (vísceras, carnes vermelhas em excesso, anchova/sardinha), controlar frutose líquida, perder peso se houver síndrome metabólica.
##### **4) Como prescrever citrato de potássio (primeira escolha)**
📖 Objetivo: manter pH urinário 6,5–7,0 de forma estável, com ênfase no período noturno (pH tende a cair).
Esquema prático (adultos):
• Início: 20–30 mEq duas vezes ao dia (total 40–60 mEq/d).
• Ajuste: subir a cada 3–7 dias conforme pH de diário domiciliar.
• Faixa usual de manutenção: 40–80 mEq/d (dividir 2–3 tomadas).
• Dica: considerar carga maior ao deitar (ex.: 20–30 mEq) para neutralizar a acidificação noturna.
###### **Titulação pelo pH (exemplo):**
• pH \<6,0 por >2 dias → +10–20 mEq/d.
• pH 6,0–6,4 → +10 mEq/d.
• pH 6,5–7,0 → manter.
• pH >7,0 por >2 dias → reduzir 10–20 mEq/d (risco Ca-fosfato).
###### **Monitorização laboratorial:**
• K⁺, creatinina e HCO₃⁻: basal e 1–2 semanas após cada ajuste grande; depois a cada 3–6 meses.
• Vigiar hipercalemia (especialmente DRC, IECA/BRA, espironolactona).
Efeitos GI: náusea/desconforto → fracionar mais, tomar após refeições, trocar forma farmacêutica.
###### **🚨 Contraindicações/alertas**
• **Risco de hipercalemia:** DRC avançada (TFGe \<30), hipoaldosteronismo, uso de poupadores de K⁺.
• Pedra de Ca-fosfato prévia: evitar pH >7,0.
###### **5) Quando usar bicarbonato de sódio no lugar do K-citrato**
###### **✅ Indicado se:**
• Hipercalemia
• Intolerância GI relevante ao citrato de potássio,
• Indisponibilidade/custo do citrato-K.
###### **Como prescrever (adultos):**
• Início: 500-750 mg 3x/dia (≈ 23 mEq/d de base).
• Meta de pH: 6,5–7,0 (mesmo algoritmo de titulação acima).
###### **⚠️ Cautelas com sódio**
• Pode aumentar calciúria (risco Ca-oxalato/fosfato).
• Edema/hipertensão/IC: risco de sobrecarga de volume/NA.
• Se surgirem cálculos de cálcio, reavaliar dose/estratégia; considerar hidroclorotiazida se hipercalciúria clinicamente relevante.
##### **6) O que fazer no refratário (persistem cálculos ou não atinge meta de pH)**
###### **📁 Checklist de causa tratável**
• Adesão (tomadas, especialmente noturna)
• Técnica do pH (fitas válidas)
• Hidratação real (24h urina)
• Tratar: excesso de purinas, diarreia crônica, DM mal controlado (acidificação tubular funcional).
###### **📌 Passo a passo**
1. Reforçar educação + diário de pH por 7–14 dias com doses atuais.
2. Aumentar alcali gradualmente até 80–100 mEq/d (se potássio for seguro) mantendo pH 6,5–7,0. Redistribuir posologia: 2–3 tomadas/dia, com maior dose ao deitar.
3. Checar 24h urina: volume, pH médio, ácido úrico, citrato, cálcio; calcular supersaturação (útil para acompanhar resposta).
4. o Se pH em alvo e ainda há recorrência ou hiperuricosúria >1000 mg/d: considerar xantino-oxidase: alopurinol 100–300 mg/dia
5. Se citrato-K inviável ou intolerado → trocar para NaHCO₃
6. Investigar e tratar comorbidades que mantêm pH baixo:
7. DM/ obesidade: otimizar controle metabólico; há sinais de menor amoniagênese.
8. Diarreia crônica: corrigir perda de bicarbonato/volume.
9. Dissolução de cálculo já formado: manter pH 6,5–7,0 por semanas–meses; acompanhar com USG seriado.
###### **🔬 Ponto emergente: **
SGLT2 (ex.: empagliflozina) reduziu supersaturação de ácido úrico em curto prazo em estudo fase 2; não é rotina ainda, mas pode ser coadjuvante útil em DM2 selecionados (sempre individualizar).