A intoxicação por metanol é tempo-dependente e potencialmente fatal. Reconhecer cedo, inibir a ADH, alcalinizar quando necessário e indicar hemodiálise com critério muda desfecho — sobretudo quando a confirmação laboratorial demora. 🚨
📚 Referência: Management of Poisoning and Intoxication: Core Curriculum 2022 \[**[link](https://www.ajkd.org/article/S0272-6386\(21\)00796-4/fulltext)**] 🔗
##### **1) Como reconhecer rapidamente (à beira-leito)**
* Cenários clássicos: ingestão intencional ou substituição de etanol; surtos comunitários (bebidas adulteradas); paciente com acidose metabólica com aniôn gap (AG) elevado sem causa óbvia.
* Manifestações-chave do metanol: alterações visuais (embaçamento, “neve”, escotoma, defeito pupilar aferente), cefaleia, tontura; em casos graves, coma.
* **Fisiopatologia**: o dano é do ácido fórmico; ocorre acidemia grave que aumenta a fração não ionizada → isso aumenta a penetração tecidual (lesão de retina e isquemia/sangramento dos núcleos de base no SNC) causando mais dano.
* Não é esperado lesão renal direta pelo metanol ou ácido fórmico
* Gasometria: pode ter alterações leves nas primeiras horas por hiperventilação compensatória; atenção ao doente que “parece bem”, mas está compensado. Aqui é mais provável identificar um Gap Osmolar elevado, sem uma elevação tão importante do AG. ⚠️
* Triagem laboratorial imediata: eletrólitos, ureia/creatinina, gasometria venosa/arterial, osmolalidade medida, etanol sérico, cálculo dos gaps (aniônico e osmolar) e reavaliação seriada.
Figura mostrando a evolução do Ânion Gap e Gap Osmolar conforme tempo da intoxicação
##### **2) Limitações do GAP OSMOLAR (evite armadilhas) ⚠️**
* Cálculo do GAP OSMOLAR: Osmolalidade medida – Osmolalidade calculada
* A maioria dos gasômetros NÃO fornece a Osmolaridade medida, apenas a calculada, logo, ter atenção ao calcular o GAP OSMOLAR!
* Não é um bom parâmetro para excluir ingesta pequena/recente: um gap osmolar ≤10 mOsm/kg não descarta ingesta de metanol nas primeiras horas.
* Valores muito altos (≥25 mOsm/kg) sugerem álcool tóxico
**Valores entre 10-20 podem ocorrer em outras condições:**
1. Grande carga de etanol
2. Cetoacidose alcoólica
3. Cetoacidose diabética
4. Choque séptico
* O gap osmolar cai à medida que o metanol é metabolizado em formato, enquanto AG sobe e acidose pode piorar (ver figura 1).
* Cristal de oxalato ajuda na suspeita de etilenoglicol, mas não no metanol (reforça focar em clínica e acidose).
##### **3) Quando iniciar medidas imediatamente (antes da confirmação)**
Suspeita forte: história convincente ou pH \<7,1 ou anion gap ≥24 mmol/L ou sinais visuais/neurológicos ou gap osmolar ≥25 mOsm/kg
**Ações**:
* Inibir ADH de pronto (fomepizol é preferido, porém não está disponível no Brasil). Nesse caso utilizamos o etanol farmacêutico. 💉
* Alcalinização com bicarbonato IV se pH \<7,25 (alvo ≥7,35), devemos fazer reposição de 1-2 mEq/kg.
* Suporte: ABC, evitar períodos prolongados de apneia em IOT; ventilar com alto volume-minuto para manter pH.
##### **4) Hemodiálise: indicações práticas e racional**
Por que dialisar no metanol?
1. Remove metanol e ácido fórmico, corrige acidose rapidamente e previne dano retinal/cerebral. É a intervenção que mais muda desfecho quando há toxicidade estabelecida. ✅
2. Indicações em que a HD é geralmente recomendada (mesmo sem dosagem disponível):
3. Acidose metabólica moderada a grave: pH \<7,25 ou anion gap >24 mmol/L.
4. Toxicidade de órgão-alvo: qualquer alteração visual típica, coma, sinais neurológicos graves.
5. Alta probabilidade clínica de metanol + necessidade de correção rápida (ex.: atraso para confirmar níveis, recursos limitados).
6. Osmolal gap ≥20 mOsm/kg com acidose/gravidade clínica, na ausência de outra explicação plausível.

###### **Indicações quando a dosagem de metanol está disponível:**
* Metanol >50 mg/dL → recomendar HD, mesmo sem acidose/lesão orgânica, pois a eliminação sob ADH inibida é muito lenta.
* Qualquer concentração detectável + acidose (pH \<7,25) ou toxicidade de órgão → HD indicada.
* 21–50 mg/dL sem acidose/lesão: HD pode ser usada para abreviar curso, mas não é obrigatória se ADH está adequadamente inibida e o doente permanece estável.
###### **Prescrição e cuidados durante a HD (essenciais):**
* Preferir alto fluxo (Fluxo de sangue >300 mL/min), dialisador de grande área (>1,5-2 m²) e banho com bicarbonato.
* Ajustar fomepizol ou álcool etílico: encurtar intervalo (p.ex., a cada 4 h durante a HD) e considerar dose extra no início se >6 h da última.
* Reavaliar gasometria, gap osmolar e (se disponível) nível de metanol próximo ao término e 2 h após a sessão (rebote).
* Encerrar terapia dialítica quando pH normalizado e metanol ≤20 mg/dL (confirmado ou estimado) e paciente sem progressão clínica.
##### **5) O que NÃO fazer de rotina**
* Carvão ativado/lavagem: sem papel prático (absorção dos álcoois é rápida).
* Confiar no gap osmolar isoladamente para excluir metanol nas primeiras horas (risco de falso-negativo). ❌
* Aguardar nível sérico para tratar quadro clinicamente grave (inicie fomepizol + bicarbonato e avalie HD).
##### **6) Fluxo rápido (conduta à beira-leito) 📁**
• Suspeita clínica alta ou pH \<7,25 ou AG >24 ou sintomas visuais →
1\. Fomepizol imediato (quando disponível);
2\. Bicarbonato IV para alvo pH ≥7,35;
3\. Nefro: programar HD se critérios acima;
4\. Coletar amostras (níveis se possível), repetir gaso, eletrólitos, osmolalidade a cada 2–4 h;
5\. Manter ADH inibida até pH normal e metanol ≤20 mg/dL (ou estimativa/gap osmolar ≤10 com estabilidade clínica).
##### **7) Mensagem final (mudança prática & riscos de erro) 🔬**
**Mudança prática**: em suspeita forte de metanol, trate antes de confirmar: fomepizol + bicarbonato e baixa barreira para HD quando houver acidose (pH \<7,25), lesão de órgão (visual/neurológica) ou nível >50 mg/dL.
**Riscos de erro clínico: **supervalorizar um gap osmolar “normal” nas primeiras horas; atrasar HD em acidose importante esperando dosagem; subestimar paciente com pH “quase normal” que está hiperventilando.