**Por que esse tema importa?** A gravidez em pacientes dialíticas é cada vez mais frequente. Ainda assim, o risco materno-fetal segue alto (hipertensão/preeclâmpsia, prematuridade, RCIU). O detalhe que muda o jogo é a qualidade e a intensidade da diálise — além de um cuidado obstétrico de alto risco, multiprofissional e proativo.
📚 **Referência-base**: revisão contemporânea de coortes e registros (ANZDATA, Canadá, EUA), UpToDate e consensos recentes sobre manejo de gestação em DRC/diálise.
###### **O que o nefrologista deve vigiar desde o positivo**
• Confirmar e datar gestação cedo (beta-hCG + USG; lembrar que o beta-hCG pode se elevar na paciente em diálise).
• Encaminhar para pré-natal de alto risco e alinhar seguimento conjunto nefro + obstetrícia materno-fetal (consultas quinzenais até 30s e depois semanais, conforme evolução).
• Planejar diálise intensiva, porque ureia persistentemente baixa reduz polidrâmnio, melhora nutrição e peso fetal e aumenta taxa de nascidos vivos.
• Rastrear complicações maternas: HAS/preeclâmpsia/HELLP, anemia, infecções relacionadas ao acesso.
• Monitorar o feto: crescimento seriado (USG a cada 3–4 semanas), líquido amniótico, doppler quando indicado.
###### **Hemodiálise (HD): pilares de prescrição**
• **Frequência:** mínimo de 6 sessões/semana (HD “quase diária”).
**• Tempo total semanal:**
1. Em cenários ideais, >36 h/semana associa-se a melhores desfechos.
2. Realidade Brasil: almeje >16 h/semana com alvo de ureia pré-HD no meio da semana \~75 mg/dL; 75–100 mg/dL é aceitável quando a logística limita a dose — estratégia baseada em coorte brasileira (HCFMUSP) com bons resultados fetais.
• **Capilar: alto fluxo/alta eficiência (≥1,6–1,8 m²).**
• **Ultrafiltração: evitar UF agressiva;** ajuste fino do peso seco semanalmente (ganho esperado \~0,5 kg/semana no 2º–3º trimestres). Hipotensão intradialítica compromete perfusão útero-placentária.
• **Banho (ajustar ao laboratório e à clínica):**
1. K+ ≥ 3,0 mEq/L (reduz risco de hipocalemia).
2. Ca 3,0–3,5 mEq/L (evita hipocalcemia; atenção à hipercalcemia associada a polidrâmnio).
3. HCO₃⁻ 30 mEq/L (aumentar se acidose; pacientes em HD intensiva podem fazer alcalose — vigiar).
4. Fósforo: liberalize dieta; se hipofosfatemia, considere fosfato no dialisato.
**• Laboratório “meio da semana” (pré-HD)**: bicarbonato, potássio, fósforo (risco de alcalose, hipocalemia e hipofosfatemia em regimes intensivos).
###### **Medicações durante a HD**
• Eritropoetina e ferro IV: seguros; doses tendem a subir na gestação.
• Vitamina D ativa (calcitriol/paricalcitol): podem ser usados.
• Evitar: sevelamer e cinacalcete na gestação (dados limitados/segurança incerta).
• Heparinização: heparina é segura; programar o parto em relação à anticoagulação da sessão.
**Diálise Peritoneal (DP): como intensificar com conforto**
• Princípio: quanto menor a carga urêmica, melhores os desfechos.
• Prescrição:
1. Reduzir volumes de permanência e aumentar a frequência de trocas (cicladora ajuda muito do 2º trimestre em diante).
2. DP tidal (≈15% do volume fica “in situ” na drenagem) → menos dor e menos refluxo.
3. Minimizar soluções hipertônicas (ex.: 4,25% de dextrose).
4. Drenagem em decúbito lateral (direito/esquerdo) melhora esvaziamento e conforto.
###### **Antiproteinúricos, PA e fármacos**
• PA alvo: \< 140/90 mmHg. Se hipertensa com peso seco ajustado, iniciar drogas seguras na gestação: nifedipina, anlodipina, hidralazina, metildopa.
• Suspender teratogênicos (ex.: IECA/BRA), idealmente antes da concepção planejada.
• Diuréticos: em geral não usar (euvolemia via UF frequente).
• Magnésio sulfato (eclâmpsia/neuroproteção \<32s): reduzir carga e infusão à metade, monitorar níveis e sinais de toxicidade (excreção renal reduzida).
**Prevenções e adjuvantes indispensáveis**
• Preeclâmpsia: iniciar AAS 100 mg/dia antes de 12 semanas se sem contraindicação.
• Cálcio: carbonato de cálcio 1 g/dia (se indicado), atento a hipercalcemia/polidrâmnio.
• Ácido fólico: 5 mg/dia (perdas dialíticas e maior exigência).
• Vacinação conforme rotina obstétrica.
• Acesso: cateter tunelizado e/ou FAV conforme experiência do centro; vigilância estreita para infecção.
• Saúde mental: rastreio de depressão pré e pós-parto; a carga horária de diálise aumenta muito.
###### **Nutrição e ganho ponderal**
• Proteína: 1,5–1,8 g/kg/dia (maior que gestantes sem DRC).
• Fósforo: não restringir (regimes intensivos cursam com hipofosfatemia; quelantes raramente necessários).
• Vitaminas hidrossolúveis: dose dupla; perdas na diálise são relevantes.
• Ganho de peso: +1–2 kg no 1º tri; depois \~500 g/semana (sempre correlacionar com edema, PA e congestão).
###### **Obstetrícia: integração salva desfechos**
• Polidrâmnio é sinal de alarme: reavaliar dose/frequência de diálise e ureia (efeito osmótico fetal). Investigar hipercalcemia como causa adicional; se presente, suspender cálcio VO e reduzir Ca do banho.
• Via e momento do parto: em geral 37 semanas se sem intercorrências; planejar timing considerando heparinização. Indução e parto vaginal são possíveis; cesárea por indicações obstétricas usuais.
**Pós-parto**
• Manter EPO/ferro IV conforme necessidade.
• Ajustar UF para evitar hipovolemia que atrapalhe a amamentação.
• Antihipertensivos compatíveis com lactação: labetalol, nifedipina, IECA (ex.: captopril/enalapril/quinapril).
• Retorno ao esquema pré-gestacional (3x/semana) é comum, mas individualize.
##### **“Checklist rápido” (para colar no prontuário)**
• 6x/semana HD (ou DP intensificada) → alvo ureia pré-HD meio da semana \~75 mg/dL (aceitável 75–100 mg/dL se limitações).
• Evitar UF agressiva; revisar peso seco semanalmente.
• Banho: K+ ≥3; Ca 3,0–3,5; HCO₃⁻ \~30; P: vigiar e repor se baixo.
• Lab pré-HD meio da semana: HCO₃⁻/K/P (risco de alcalose/hipoK/hipoP).
• AAS 100 mg/d \<12s; AF 5 mg/d; CaCO₃ se indicado.
• Anti-hipertensivos seguros; sem IECA/BRA.
• EPO + ferro IV; evitar sevelamer/cinacalcete.
• Obstetrícia alto risco; US seriadas; plano de parto + heparina.
**Conclusão (mudança prática e riscos de erro)**
Mudança prática: trate a gestação em diálise como uma corrida contra a uremia — mais frequência, mais tempo e mais previsibilidade na diálise, com metas laboratoriais claras e integração obstétrica.
**Erros a evitar:**
1\. manter esquema convencional 3x/semana;
2\. UF agressiva com hipotensão;
3\. negligenciar hipoK/hipoP/alcalose em regimes intensivos;
4\. atrasar AAS e o alinhamento obstétrico;
5\. esquecer o timing do parto versus heparinização.