Referência: Barbir EB, Leung N, Herrmann SM. Ten Tips for an Onco-Nephrology Clinic. Clin Kidney J. 2025 [[link](https://academic.oup.com/ckj/advance-article/doi/10.1093/ckj/sfaf174/8152912?login=false)]
Caso clínico
Seu paciente com câncer de pulmão avançado inicia uso de osimertinibe, um inibidor de tirosina quinase (ITK). Em duas semanas, a creatinina sobe 0,5 mg/dL. O oncologista questiona: “Suspendo a medicação ou seguimos?” Você se pergunta: seria uma injúria renal aguda (IRA) verdadeira ou uma pseudo-IRA por interferência tubular? E como diferenciar?
Essas são as situações reais do consultório de OncoNefrologia, e esse artigo recente traz 10 dicas práticas para conduzir os principais dilemas desse campo emergente. Vamo nessa?
1. Avaliar adequadamente a TFGe pode mudar muitas condutas!
Pacientes oncológicos tendem a ser sarcopênicos, o que superestima a TFGe baseada na creatinina. A equação combinada CKD-EPI (creatinina + cistatina C) é a mais precisa. Se tiver disponível, você pode medir a TFG com ioexol (TFG medidaque) é mais específico e para situações críticas.
2. Nem toda elevação de creatinina é IRA verdadeira
Algumas terapias-alvo, como os TKIs (inibidores de tirosina-quinase, ex: erlotinibe, sunitinibe) e os inibidores da PARP (poli-ADP ribose polimerase, como olaparibe ou niraparibe), interferem na secreção tubular de creatinina, simulando uma IRA. Isso é conhecido como pseudo-IRA. Nesses casos, a cistatina C pode ajudar, mas tem limitações.

3. Quando solicitar TFG medida?
O artigo recomenda medir a TFG em três cenários:
* Composição corporal atípica (obesidade, caquexia, sarcopenia)
* TFGe limítrofe para início de terapias nefrotóxicas
* Avaliação pré-transplante de medula com uso de quimioterápicos como fludarabina e melfalano

Os transportadores envolvidos na secreção de creatinina incluem OCT-1, OCT-2 e OCT-3 no lado basolateral, e MATE-1 e MATE-2K no lado apical. Os transportadores inibidos por diferentes classes de terapias-alvo contra o câncer estão representados na figura com codificação por cores; os transportadores bloqueados são indicados pelas cores atribuídas.
4. Inibidores do VEGF e ITKs: de hipertensão à microangiopatia trombótica
Drogas como bevacizumabe, cabozantinibe e sunitinibe afetam o endotélio glomerular. As manifestações vão de hipertensão leve até síndrome nefrótica ou microangiopatia trombótica (MAT). Em casos graves, eculizumabe pode ser considerado.

Abordagem sugerida para pacientes em uso de terapia com inibidores do VEGF (VEGFi) que desenvolvem proteinúria relacionada ao tratamento ou microangiopatia trombótica (MAT):
1️.Na presença de proteinúria inexplicada ou sedimento urinário ativo, recomenda-se envolver a nefrologia para considerar biópsia renal antes do início do VEGFi, a fim de tratar doença renal subjacente.
2️.Evitar todos os bloqueadores de canal de cálcio não diidropiridínicos (por exemplo, verapamil ou diltiazem) durante o uso de TKIs, pois eles suprimem o metabolismo dos TKIs via citocromo P450.
3️.Tratar hipertensão estágio 1 (PA 130–139/80–89 mmHg) em pacientes com fatores de risco cardiovascular (ex.: doença aterosclerótica com risco ≥10% em 10 anos, DRC, diabetes). Na ausência desses fatores, tratar apenas hipertensão estágio 2 (PA > 140/90 mmHg).
4️.Com terapia antiproteinúrica otimizada e creatinina estável, recomenda-se confirmar proteinúria > 2g/dia com coleta de urina de 24 horas.
5️.Decisões sobre manter ou reduzir a dose da terapia devem ser tomadas em conjunto com a equipe de oncologia.
Abreviações: CVD: doença cardiovascular; BP: pressão arterial; UPCR: razão proteína/creatinina na urina; HTN: hipertensão; CCB: bloqueador de canal de cálcio; iECA: inibidor da enzima conversora de angiotensina; BRA: bloqueador do receptor de angiotensina; CBC: hemograma completo; PRES: síndrome encefalopática posterior reversível.
5. IRA por imunoterapia costuma responder a corticoide, mas a biópsia ajuda
A nefrite intersticial aguda associada a inibidores de checkpoint imune (como nivolumabe ou pembrolizumabe) é a principal forma de IRA nesses pacientes. A resposta ao corticoide é geralmente boa. Quando houver dúvida, a biópsia renal deve ser considerada. Aprenda um pouco mais sobre esse mecanismo de ação e estas drogas abaixo!

3a: Mecanismo de ação dos inibidores de PD1/PDL-1
Adaptado com permissão de Barbir et al.⁶⁷
Um dos mecanismos pelos quais células tumorais escapam do sistema imune é a expressão de PDL-1, o ligante do receptor PD1. Algumas células tumorais expressam PDL-1 de forma constitutiva. Os linfócitos T circulantes, após ativação, aumentam a expressão de PD1. A ligação entre PD1 e PDL-1 leva à exaustão dos linfócitos T, permitindo que as células tumorais evitem a citotoxicidade mediada por T. Os inibidores de PD1/PDL-1 bloqueiam essa interação, restaurando a atividade dos linfócitos T contra o tumor.
Abreviações: MHC: complexo principal de histocompatibilidade; TCR: receptor de célula T.
3b: Mecanismo de ação dos inibidores de CTLA-4
Adaptado com permissão de Barbir et al.⁶⁷
Nos tecidos linfoides, os linfócitos T naïve entram em contato com antígenos tumorais apresentados por células apresentadoras de antígeno (APCs). Após reconhecer o antígeno como estranho, é necessário um segundo sinal chamado “coestimulação” para ativação completa: a ligação de CD28 (no linfócito T) ao CD80/86 (na APC). Após ativação, a célula T aumenta a expressão de CTLA-4, que compete com CD28 e se liga com maior afinidade ao CD80/86, inibindo a coestimulação. Os anticorpos anti-CTLA-4 bloqueiam essa inibição, permitindo coestimulação persistente e ativação efetiva da célula T.
Abreviações: APC: célula apresentadora de antígeno; MHC: complexo principal de histocompatibilidade; TCR: receptor de célula T.

Algoritmo terapêutico para IRA associada a inibidores de checkpoint imune (ICI-AKI). Adaptado com permissão de Barbir et al.⁶⁷* Considera-se injúria renal aguda (IRA) persistente aquela com duração superior a 72 horas, conforme os critérios da KDIGO. ** Infliximabe é o agente poupador de corticoide preferido para tentativa inicial, segundo os autores. *** Como o micofenolato é um agente antiproliferativo, ele é a opção menos preferida pelos autores para tratamento de nefrite túbulo-intersticial associada ao ICI que seja dependente ou refratária ao corticoide, pois pode interferir na eficácia antitumoral do ICI. No entanto, em contextos com recursos limitados, pode ser a única opção disponível.
6. Profilaxia de infecção deve ser individualizada
Pacientes em uso prolongado de corticoide (>20 mg por mais de 2 semanas) precisam de profilaxia contra Pneumocystis jirovecii. Apesar de o Bactrim ser o mais usado, há risco de NIA associada a ele. Prefira pentamidina inalatória; dapsona e atovaquona são alternativas com ressalvas.
7. Corticoide não funcionou? Pense em terapia poupadora
Infliximabe (anti-TNF) é a principal opção em casos refratários. Em situações específicas, tocilizumabe ou micofenolato (menos preferido por interferir na imunidade antitumoral) podem ser considerados.
8. Transplantados renais podem se beneficiar da imunoterapia
Mesmo com risco de rejeição, estudos mostram que pacientes transplantados com certos tumores, como carcinoma de pele escamoso, respondem bem à imunoterapia. A imunossupressão deve ser cuidadosamente ajustada.
👉 (Inserir aqui Tabela 2 com resumo dos estudos com ICIs em transplantados renais)
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9. Mieloma múltiplo e amiloidose: não perca o timing para o transplante renal
A sobrevida desses pacientes melhorou muito com novas terapias. Aqueles em remissão hematológica e com doença renal terminal devem ser encaminhados precocemente para avaliação de transplante.
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10. MGRS sem clone detectável? Ainda assim pode (e deve) tratar
Na glomerulonefrite proliferativa com depósitos monoclonais (PGNMID), muitas vezes o clone é indetectável nos exames convencionais. O artigo sugere iniciar com daratumumabe (anti-CD38), exceto nos casos com IgM, onde se prefere anti-CD20.
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💡 Mensagem final do NefroAtual:
A OncoNefrologia mostra que a nefrologia está mais viva do que nunca. Longe de ser apenas suporte, o nefrologista se torna peça-chave para garantir a continuidade do tratamento oncológico e preservar a função renal. Interpretar a creatinina corretamente, conhecer os efeitos adversos das novas drogas e tomar decisões compartilhadas com a oncologia são pilares dessa atuação.
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E você, já viu um caso de pseudo-IRA com TKI? Ou indicou transplante para paciente com mieloma em remissão? Conta pra gente!
Se quiser, posso agora montar o PDF com os espaços indicados para inserir as figuras e tabelas. Deseja isso?