###### **Caso clínico **
Um homem de 62 anos, previamente saudável, chega ao pronto-socorro com queixas de fraqueza, sonolência progressiva, náuseas e constipação. Nega comorbidades, mas revela que está tomando “vitamina D em dose alta indicada por um terapeuta” há mais de dois meses para “melhorar a imunidade”. A esposa relata consumo diário de 50.000 UI de colecalciferol. Ao exame físico, encontra-se sonolento, mas acorda ao chamado, hidratado, PA 125/70 mmHg, sem sinais de sobrecarga.
Exames laboratoriais revelam: cálcio total de 14,7 mg/dL, cálcio iônico de 1,78 mmol/L, creatinina de 2,1 mg/dL (TFGe de 35 mL/min), PTH suprimido, 25(OH)D de 180 ng/mL, fósforo normal, 1,25(OH)2D dentro da faixa normal, urinálise com densidade urinária baixa e sem cilindros. ECG com intervalo QT encurtado.
##### **Diante desse quadro, você saberia qual é a melhor abordagem terapêutica?**
###### **Intoxicação por vitamina D: como conduzir?**
A hipercalcemia induzida por intoxicação por vitamina D é um desafio clínico cada vez mais comum, especialmente com a crescente prescrição de "megadoses" sem indicação formal... A gravidade dos sintomas é diretamente proporcional à velocidade e ao grau de elevação do cálcio iônico, sendo que o tratamento deve focar tanto na reversão da hipercalcemia quanto na causa subjacente.
###### **Diagnóstico da intoxicação por vitamina D**
O diagnóstico é baseado na associação de hipercalcemia com níveis elevados de 25(OH) vitamina D, além da história clínica de suplementação ou exposição.
Critérios diagnósticos:
1. Cálcio sérico total ou iônico elevado (frequentemente > 14 mg/dL)
2. 25(OH)Vitamina D > 100–150 ng/mL
3. Supressão do PTH
4. Hipercalciúria
5. Disfunção renal
6. Níveis de 1,25(OH)₂D geralmente normais ou baixos (exceto em casos por aumento de ativação extrarrenal, como linfomas)
###### **Medidas clínicas e laboratoriais iniciais**
**Avaliar**:
* Cálcio total e iônico
* Função renal (creatinina, TFGe)
* Eletrólitos: fósforo, potássio, magnésio
* Exame de urina e proteinúria
* Gasometria
* 25(OH)D e PTH
###### **Em casos mais complexos, incluir:**
* 1,25(OH)₂D (sob suspeita de produção extrarrenal – doenças granulomatosas e uso de PMMA)
* Ultrassom renal (nefrocalcinose ou nefrolitíase)
* ECG (QT curto, arritmias)
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###### **Tratamento: baseado na gravidade da hipercalcemia e função renal**
##### **🔹 Medidas gerais**
* Suspender imediatamente toda forma de vitamina D e cálcio.
* Hidratação venosa vigorosa com SF 0,9% (200–300 mL/h, ajustar para manter diurese > 100 mL/h).
* Monitorar eletrólitos frequentemente.
##### **🔹 Medicação específica**
###### **1-Furosemida IV (20–40 mg IV)**
* Apenas após reposição volêmica adequada.
* Usada para manter diurese e facilitar excreção de cálcio.
* Atenção ao risco de hipocalemia e hipomagnesemia.
##### **2-Bifosfonatos IV**
* Pamidronato (60–90 mg IV em 2–4h) ou ácido zoledrônico (4 mg IV em 15 min).
* Eficaz em 48–72h, útil especialmente em intoxicação persistente.
* Cautela em pacientes com função renal muito reduzida.
##### **3-Calcitonina**
* 4 UI/kg SC ou IM a cada 12h, início de ação em 4–6h.
* Útil no controle rápido nos primeiros dias.
* Taquifilaxia em 48h, efeito transitório… raramente é necessário
###### **4-Corticosteroides**
* Indicado quando houver produção aumentada de 1,25(OH)₂D extrarrenal, como em sarcoidose, linfoma, tuberculose e PMMA
* Exemplo: Prednisona 20–40 mg/dia por 5–7 dias e avaliação para desmame lento baseado na causa e tratamento específico
* Nos casos clássicos de superdosagem de suplemento, tem papel limitado…
###### **5-Denosumabe (off-label)**
* Considerado em pacientes com insuficiência renal grave que não podem receber bifosfonato.
* Dose: 60–120 mg SC
* Início de ação mais lento, mas útil em hipercalcemia refratária.
###### **6-Hemodiálise com baixo cálcio, c**onsiderar em:
* Hipercalcemia > 18 mg/dL
* Instabilidade hemodinâmica
* Anúria ou TFGe < 15 com falência do tratamento clínico
##### **Tempo até resolução**
* Os depósitos de vitamina D nos tecidos (especialmente fígado e gordura) liberam lentamente a substância...
* Casos graves podem demandar semanas de tratamento e monitorização.
* Risco de recorrência da hipercalcemia é alto após medidas iniciais, especialmente sem bifosfonatos ou diálise.
##### **Resumo prático**

###### **✅ Mensagem final do NefroAtual**
A intoxicação por vitamina D exige abordagem metódica, monitoramento prolongado e reconhecimento precoce das causas. Saber diferenciar o excesso de reposição da ativação extrarrenal (como em linfomas ou sarcoidose) é fundamental para orientar o uso de drogas como corticoides e imunobiológicos. O nefrologista deve estar atento ao uso indiscriminado da vitamina D e seus potenciais danos, especialmente em populações vulneráveis como idosos e portadores de DRC…
❓E você?
Já pegou algum caso de hipercalcemia grave por intoxicação com vitamina D? Sabia que pode durar semanas para normalizar, mesmo com suspensão da vitamina? Compartilha com a gente sua experiência!