📚Referência: Kidney Dysfunction in Heart Failure: Core Curriculum 2025 ([link](https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40380970/)) 🔗
Um caso clínico para começar...
Imagine uma paciente de 48 anos com doença arterial coronariana, hipertensão e diabetes tipo 2. Ela chega ao hospital com falta de ar progressiva e edema em membros inferiores. Sua creatinina basal era 0,8 mg/dL, mas agora está 1,7 mg/dL. Exame físico mostra congestão e sinais claros de sobrecarga de volume, com hipertensão. O ecocardiograma revela fração de ejeção preservada. E aí, o que está causando a piora da função renal?
Essa é apenas uma das várias situações clínicas discutidas no artigo. O texto aborda, de forma prática e atualizada, como manejar a disfunção renal no contexto da insuficiência cardíaca (IC), incluindo estratégias para detectar resistência diurética, otimizar o tratamento e evitar armadilhas comuns.
O que você vai aprender neste post do NefroUpdates?
* Qual o papel da congestão venosa renal na piora da função renal na IC?
* Como iniciar diuréticos de alça em pacientes internados?
* Como avaliar precocemente a resposta diurética?
* Quais estratégias práticas usar quando há resistência aos diuréticos?
* Quando pensar em cateterismo de artéria pulmonar?
* Como individualizar o uso da terapia médica otimizada na IC com disfunção renal?
Agora vamos a 5 questões para colocar seu raciocínio em teste
1. Qual o principal mecanismo da piora da função renal no caso inicial?
(a) Congestão venosa renal
(b) Baixo débito cardíaco
(c) Azotemia pré-renal
(d) Lesão tubular aguda
(e) Uso de bloqueador de receptor de angiotensina
Resposta correta: (a)
A pressão venosa elevada, traduzida clinicamente como ingurgitamento jugular e edema, é hoje reconhecida como o principal determinante da queda de TFGe na IC – mais do que o tradicional “baixo débito”. É a congestão venosa renal que reduz a perfusão efetiva e piora a função renal.
2. Um paciente internado com IC usa furosemida 40 mg VO em casa. Qual a melhor dose inicial hospitalar?
(a) Furosemida 40 mg EV
(b) Furosemida 80 mg VO
(c) Bumetanida 1 mg EV
(d) Torsemida 40 mg VO
(e) Furosemida 80 mg EV
Resposta correta: (e)
As diretrizes recomendam iniciar a furosemida intravenosa com ao menos o dobro da dose oral habitual. Ou seja, se usava 40 mg VO, o ideal é ≥80 mg EV. Como a absorção oral é variável e a resistência diurética é comum na IC, doses mais altas IV aumentam a chance de resposta adequada.

Figura 1. Resumo da fisiopatologia das interações coração-rim.
A congestão venosa desempenha um papel central nas interações entre coração e rins. O aumento da pressão venosa leva à redução do gradiente de pressão arterio-venosa, diminuindo assim a pressão de perfusão renal. Essa pressão venosa elevada é transmitida ao longo dos túbulos renais, aumentando a pressão intratubular e, consequentemente, reduzindo o gradiente de pressão hidrostática através da cápsula de Bowman, com efeito final de queda da taxa de filtração glomerular por néfron. A pressão venosa aumentada também compromete a resposta compensatória do fluxo linfático renal. Por fim, os sistemas neuro-hormonais — sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e sistema nervoso simpático — têm papel central em manter o estado ávido por sódio, perpetuando o ciclo vicioso da congestão. Abreviações: AVP, vasopressina arginina; TFGe, taxa de filtração glomerular estimada; PB, pressão hidrostática na cápsula de Bowman; PGC, pressão hidrostática no capilar glomerular; TTGC, pressão oncótica no capilar glomerular.
3. Como avaliar a eficácia da diurese nas primeiras horas?
(a) Peso diário
(b) Sódio urinário 2h após diurético
(c) Diurese de 24h
(d) Sinais clínicos de congestão
(e) Ureia e creatinina
Resposta correta: (b)
O sódio urinário 2h após a primeira dose de diurético (spot UNa) é o melhor preditor precoce de resposta diurética. Valores <50–70 mEq/L sugerem baixa eficácia e indicam a necessidade de ajuste rápido da estratégia.
4. Paciente com IC e DRC estágio 4 em uso de altas doses de furosemida EV sem resposta. Qual a próxima conduta?
(a) Aumentar dose de furosemida
(b) Trocar para bumetanida
(c) Associar hidroclorotiazida
(d) Suspender IECA
(e) Iniciar ultrafiltração
Resposta correta: (c)
Estamos diante de resistência diurética. O próximo passo é o bloqueio sequencial do néfron, associando um diurético tiazídico à furosemida para potencializar a natriurese. A escalada deve ser feita com monitorização cuidadosa.

5. Paciente com IC avançada, hipoperfusão e falha de múltiplos diuréticos. O que fazer?
(a) Infusão contínua de furosemida e acetazolamida
(b) Infusão de bumetanida
(c) Metolazona 30 min antes da furosemida
(d) Cateterismo de coração direito
(e) Ultrafiltração
Resposta correta: (d)
Quando há dúvida sobre o status hemodinâmico e falha de múltiplas estratégias, o cateterismo é essencial para guiar a conduta. Pode revelar baixo débito e justificar inotrópicos ou até suporte circulatório.

Algoritmo para descongestão em pacientes com insuficiência cardíaca e disfunção renal.
Diante da piora da função renal no contexto da insuficiência cardíaca, é essencial investigar fatores de risco, como ingestão dietética inadequada, subutilização da terapia médica otimizada (GDMT) e outras condições intercorrentes que possam funcionar como gatilhos para uma exacerbação aguda. A avaliação do estado volêmico deve ser feita clinicamente e com o auxílio de métodos de imagem complementares, como ultrassom à beira-leito (POCUS), escore de congestão venosa (VEXUS) e ecocardiografia. Se for constatada sobrecarga de volume, deve-se iniciar um teste terapêutico com diuréticos, ajustando a dose de acordo com a função renal basal e as doses prévias de diuréticos em uso domiciliar. A eficácia da diurese e a presença de resistência diurética podem ser identificadas precocemente por meio da estratégia de medir o sódio urinário em amostra isolada (spot) duas horas após a administração do diurético. Um sódio urinário <50–70 mEq/L nesse intervalo, ou uma diurese horária <100–150 mL nas primeiras 6 horas, indica resposta diurética inadequada. Se a resposta for adequada, deve-se seguir com monitoramento contínuo e reavaliações seriadas. Se houver resistência diurética, deve-se repetir a avaliação do status volêmico. Na presença de dúvidas sobre o volume ou suspeita de baixo débito cardíaco, a cateterização do coração direito deve ser considerada para guiar o manejo. Casos de congestão persistente podem demandar estratégias adicionais, como o bloqueio sequencial do néfron ou mesmo ultrafiltração, se necessário. A presença de baixo débito cardíaco deve ser abordada tratando causas subjacentes como isquemia ativa, com o uso de inotrópicos e vasodilatadores conforme o perfil hemodinâmico, além de suporte circulatório mecânico, se indicado.
Abreviações: AV, atrioventricular; CRT, terapia de ressincronização cardíaca; ENaC, canal epitelial de sódio; GDMT, terapia médica otimizada baseada em diretrizes; VCI, veia cava inferior; VE, ventrículo esquerdo; AINE, anti-inflamatório não esteroidal; OAT, transportador de ânions orgânicos; POCUS, ultrassom à beira-leito; HAP, hipertensão arterial pulmonar; VD, ventrículo direito; VEXUS, escore de ultrassom de excesso venoso.
Mensagem final do NefroAtual
A disfunção renal na IC não é sinônimo de hipoperfusão. Em muitos casos, é a congestão venosa o principal vilão… Avaliar a resposta diurética de forma objetiva e agir precocemente com bloqueio sequencial pode evitar o espiral da resistência diurética e internações repetidas… Mais importante ainda: não tenha medo de iniciar e manter terapia médica otimizada em pacientes com DRC. O receio exagerado pode custar vidas…
E você? Já usou o sódio urinário na prática? Já teve algum caso de resistência diurética e tentou o bloqueio sequencial? Comenta aqui!