**Com base em:** Lo KB, Janakiraman A, Rangaswami J. Kidney Dysfunction in Heart Failure: Core Curriculum 2025. Am J Kidney Dis. 2025 \[**[link](https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40380970/)**]
###### **Caso 1 — Por que o rim piora na IC aguda mesmo com boa perfusão?**
Uma mulher de 48 anos com histórico de doença arterial coronariana, hipertensão e diabetes tipo 2 é hospitalizada com dispneia progressiva e edema de membros inferiores no último mês.
Suas medicações incluem aspirina, rosuvastatina, metformina, hidroclorotiazida e losartana. A temperatura é 36,7°C, a frequência cardíaca é 105 bpm, a frequência respiratória é 24 irpm e a pressão arterial é 160/90 mmHg.
O exame físico revela distensão da veia jugular, estertores crepitantes bilaterais nas bases pulmonares e um sopro sistólico suave, mais audível no ápice cardíaco.
Há edema de membros inferiores em grau 2+, com extremidades mornas. Os exames laboratoriais iniciais mostram:
• Sódio sérico: 133 mEq/L
• Potássio: 4,0 mEq/L
• Cloreto: 90 mEq/L
• Creatinina sérica: 1,7 mg/dL (valor basal: 0,8 mg/dL)
• Ureia sérica: 40 mg/dL
• NT-proBNP: 3.000 pg/mL
O exame de urina tipo I mostra traços de albumina, 1–2 hemácias por campo e densidade urinária de 1.020. O ecocardiograma mostra fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 55%, sem derrame pericárdico.
###### ** Qual o principal mecanismo da piora renal?**
a) Congestão venosa renal
b) Baixo débito cardíaco
c) Azotemia pré-renal
d) Lesão tubular aguda
e) Uso de BRA
Apesar da crença de que a LRA na IC decorre de baixo débito, a maioria dos pacientes mantém perfusão preservada. O vilão é a elevação da pressão venosa central e, por consequência, da pressão venosa renal, que reduz o gradiente de perfusão renal (PAM – PVC). Isso gera aumento da pressão intersticial e intratubular, ativa RAAS e SNS e perpetua a retenção de sódio.
**Resposta correta: (a) Congestão venosa renal.**
Mensagem prática: congestão venosa é o principal determinante da disfunção renal na IC — e não o baixo débito.

Resumo da fisiopatologia das interações coração–rim. A congestão venosa desempenha papel central nas interações cardiorrenais. O aumento da pressão venosa leva à redução do gradiente de pressão arteriovenosa, resultando em queda da pressão de perfusão renal.
Essa pressão venosa elevada também é transmitida aos túbulos renais, causando aumento da pressão intratubular e, consequentemente, redução do gradiente de pressão hidrostática através da cápsula de Bowman, o que tem como efeito final a diminuição da taxa de filtração glomerular por néfron.O aumento da pressão venosa ainda sobrecarrega a compensação linfática renal, limitando a capacidade de drenagem e agravando a congestão. Por fim, o sistema neuro-hormonal — especialmente o sistema renina–angiotensina–aldosterona (SRAA) e o sistema nervoso simpático (SNS) — desempenha papel central na indução e manutenção do estado de retenção de sódio, perpetuando o ciclo vicioso da congestão.
###### **Caso 2 — Qual dose inicial de diurético usar na IC aguda?**
Um homem de 56 anos com histórico de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (FEVE 30%), fibrilação atrial e hipertensão é hospitalizado com IC aguda após apresentação semelhante três semanas antes. Suas medicações de alta hospitalar incluem valsartana, carvedilol, espironolactona, apixabana e furosemida (40 mg/dia por via oral). A temperatura é 36°C, frequência cardíaca 110 bpm, frequência respiratória 24 irpm e pressão arterial 120/80 mmHg. O exame físico revela distensão jugular, estertores crepitantes bilaterais nas bases pulmonares e ritmo irregularmente irregular. Há edema em membros inferiores, 2+ bilateral, até abaixo dos joelhos.
Os exames laboratoriais mostram:
• Sódio: 135 mEq/L
• Potássio: 3,6 mEq/L
• Cloreto: 92 mEq/L
• Creatinina sérica: 1,3 mg/dL (basal: 0,9 mg/dL)
• Ureia: 15 mg/dL
• NT-proBNP: 3.500 pg/mL (na alta anterior: 900 pg/mL).
###### ** Qual a melhor dose inicial?**
a) Furosemida 40 mg EV
b) Furosemida 80 mg VO
c) Bumetanida 1 mg EV
d) Torsemida 40 mg VO
e) Furosemida 80 mg EV
**Resposta correta: (e) Furosemida 80 mg EV.**
Durante a descompensação, recomenda-se iniciar dose EV equivalente a pelo menos o dobro da dose oral habitual. O DOSE Trial mostrou que regimes mais altos e EV promovem maior perda de peso e volume, sem aumento de eventos adversos.
Equivalências aproximadas:
Furosemida 40 mg EV = Bumetanida 1 mg EV = Torsemida 20 mg EV.
Mas, na prática, torsemida e bumetanida têm biodisponibilidade mais previsível que a furosemida oral.
Mensagem prática: na IC aguda, comece com diurético EV em dose adequada — e não subestime o edema intestinal que prejudica absorção oral.
###### **3-Como saber se o diurético está funcionando? Melhor forma de avaliar resposta diurética precoce:**
a) Peso diário
b) Sódio urinário 2 h após diurético
c) Diurese 24 h
d) Avaliação clínica
e) Ureia e creatinina
**Resposta correta: (b) Sódio urinário 2 h após diurético.**
O PUSH-AHF e ENACT-HF mostraram que o NaU 2h após o diurético é marcador precoce de resposta.
Valores \< 50–70 mEq/L indicam resposta inadequada → necessidade de intensificar terapia.
Mensagem prática: não espere o dia seguinte — use o NaU 2h para ajustar a dose e evitar resistência precoce.
###### **Caso 4 — Diurese travada na IC + DRC: o que fazer?**
Uma mulher de 53 anos com histórico de insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (FEVE 55%), diabetes, hipertensão e doença renal crônica (DRC) — KDIGO estágio G4 A3 — é hospitalizada com exacerbação de IC. As medicações ambulatoriais incluem lisinopril, metoprolol succinato, dapagliflozina e furosemida 160mg/dia.
Na admissão:
• Pressão arterial: 110/70 mmHg
• Frequência cardíaca: 80 bpm
• Frequência respiratória: 24 irpm
• Temperatura: 37,3°C
Os exames iniciais mostram:
• Sódio: 132 mEq/L
• Potássio: 4,5 mEq/L
• Cloreto: 92 mEq/L
• Creatinina sérica: 3,1 mg/dL (basal)
• Ureia: 55 mg/dL
• NT-proBNP: 5.000 pg/mL.
A paciente recebeu furosemida intravenosa 200 mg duas vezes ao dia, mas, nas primeiras 24 horas, o balanço hídrico foi +300 mL, sem perda de peso e permanecendo em uso de oxigênio 4–6 L/min.
**Próximo passo?**
a) Aumentar furosemida
b) Trocar para bumetanida
c) Associar tiazidico
d) Suspender IECA
e) Iniciar ultrafiltração
**Resposta correta: (c) Associar tiazidico.**
O quadro é de resistência diurética, causada por remodelamento distal e ativação do RAAS.
A estratégia é o bloqueio sequencial do néfron — combinando diuréticos de alças e tiazídicos (metolazona, clortalidona, hidroclorotiazida) ou acetazolamida (ADVOR trial).
Mensagem prática: se o rim “fecha a torneira”, ataque o néfron em sequência — loop + tiazídico ou acetazolamida.

###### **Caso 5 — IC refratária com piora da creatinina: continuar forçando diurese?**
Homem de 60 anos, IC grave, hipotenso (90/60 mmHg), em altas doses de diurético e tiazídico, com diurese \< 1 L/dia e lactato 4 mmol/L. Conduta?
a) Infusão contínua + acetazolamida
b) Bumetanida em infusão
c) Metolazona pré-loop
d) Cateterismo direito
e) Ultrafiltração
Quando há hipotensão, resposta inadequada e incerteza hemodinâmica, é hora de medir — não de aumentar o diurético. O cateterismo direito permite diferenciar congestão venosa vs baixo débito e guiar inotrópicos ou suporte mecânico.
**Resposta correta: (d) Cateterismo direito.**
Mensagem prática: nem toda “IRA na IC” é volume; às vezes é baixo débito. Quando em dúvida, invista no diagnóstico hemodinâmico.
###### **Caso 6 — Otimizando o tratamento: quais os pilares da GDMT?**
Mulher de 63 anos com ICFE reduzida e DRC leve, descompensada, já compensada e em alta apenas com furosemida. Quais classes devem ser adicionadas?
a) ARNI + iSGLT2
b) ARNI + iSGLT2 + MRA
c) ARNI + MRA
**Resposta correta: (b) ARNI + iSGLT2 + MRA.**
O tratamento moderno da IC reduzida se apoia em 4 pilares:
1\. β-bloqueador
2\. Inibidor RAAS/ARNI
3\. MRA (espironolactona/finerenona)
4\. iSGLT2
Todos com benefícios cardiovasculares e renais, inclusive em TFGe até \~20 mL/min/1,73 m².
O uso rápido e conjunto, como no STRONG-HF trial, reduz mortalidade e internações.
**Mensagem prática: use os quatro pilares precocemente — a inércia terapêutica custa função renal e sobrevida.**
###### **Caso 7 — Hipercalemia com IECA: suspender mesmo?**
Homem de 65 anos, ICFE 35%, DRC G3aA3, K⁺ 5,3 mEq/L, em lisinopril e furosemida. O clínico suspendeu o IECA. Melhor conduta?
a) Iniciar espironolactona
b) Aumentar diurético
c) Reintroduzir IECA + iSGLT2
d) Manter suspensão
e) Metolazona 3x/semana
A retirada de GDMT piora o prognóstico.
Os iSGLT2 reduzem risco de hipercalemia e permitem reintrodução de RAASi.
Alternativas adicionais: patiromer, sacubitril/valsartana (menor risco de hipercalemia), ou rechallenge cuidadoso da dose anterior.
**Resposta correta: (c) Reintroduzir IECA + iSGLT2.**
**Mensagem prática: **hipercalemia controlável não é motivo para suspender IECA — é motivo para adicionar iSGLT2 e pensar em quelante de potássio.
##### **Mensagem final do NefroAtual**
O manejo da disfunção renal na insuficiência cardíaca é um equilíbrio entre congestão, perfusão e proteção neuro-hormonal.
Mais do que olhar apenas a creatinina, o nefrologista deve interpretar o rim dentro do contexto hemodinâmico e terapêutico.E você, costuma usar o NaU 2h na prática? Já fez bloqueio sequencial do néfron ou reintroduziu IECA com SGLT2 em hipercalemia?