Doadores e Receptores Diabéticos no Transplante Renal: o peso dos confundidores
📚 Referência:
Orsillo A, Kholmurodova F, Clayton PA, et al. The Impact of Donor and Recipient Diabetes on Patient and Graft Survival in Kidney Transplant Recipients. Kidney Int Rep. 2025 \[**[link](https://www.kireports.org/article/S2468-0249\(25\)00519-4/fulltext)**] 🔗
###### **Importância do tema**
Com o aumento da prevalência de diabetes e a escassez de órgãos, rins de doadores diabéticos vêm sendo progressivamente utilizados. Entretanto, os efeitos combinados do diabetes no doador e no receptor ainda levantam dúvidas sobre segurança e prognóstico de longo prazo.
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###### ⚙️ **Metodologia do Estudo**
Estudo de coorte retrospectivo utilizando o ANZDATA Registry (2003–2022), incluindo 11.343 transplantes renais de doadores falecidos.
Os pacientes foram classificados segundo o status diabético:
* D−/R− : ambos não diabéticos
* D−/R+ : receptor diabético, doador não diabético
* D+/R− : doador diabético, receptor não diabético
* D+/R+ : ambos diabéticos
Modelos multivariados de Cox ajustaram idade, comorbidades, tempo de diálise, tipo de doador e variáveis imunológicas.
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###### **📊 Resultados Principais**
* O grupo D+/R+ apresentou pior sobrevida do enxerto (**HR 1,70**) e pior sobrevida do paciente (**HR 1,77**) em comparação com D−/R−.
* Rins de doadores diabéticos (D+) para receptores não diabéticos (R−) não mostraram aumento significativo no risco de perda do enxerto.
* Taxas de rejeição e função renal em 12 meses foram semelhantes entre os grupos.
* **Conclusão prática:** o uso de rins de doadores diabéticos é seguro para receptores não diabéticos, mas deve ser avaliado com cautela em receptores com diabetes.
Figura 1. Curvas de sobrevivência de Kaplan-Meier para sobrevida do enxerto censurada por óbito em receptores de transplante renal com doador falecido do Registro ANZDATA
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###### **Possíveis Fatores de Confusão e Viés de Seleção**
Os piores desfechos observados no grupo R+/D+ podem refletir não apenas efeito causal do diabetes, mas também fatores de seleção e confusão residual, incluindo:
* Idade mais avançada e tempo prolongado em diálise entre receptores diabéticos, associados a fragilidade clínica e inflamação crônica.
* Comorbidades cardiovasculares e metabólicas mais prevalentes no R+/D+, aumentando o risco de mortalidade não renal.
* Maior uso de imunossupressores diabetogênicos (como corticoides e tacrolimus), que agravam resistência insulínica e disfunção endotelial.
* Doadores diabéticos mais velhos e frequentemente com nefroesclerose ou microangiopatia pré-existente, gerando menor reserva funcional do enxerto.
* Seleção menos rigorosa desses pares D+/R+ em cenários de escassez de órgãos, com menor critério histológico ou tempo de isquemia mais prolongado.
* Diferenças não medidas na adesão, controle glicêmico e acesso ao seguimento pós-transplante.
Esses fatores tornam o grupo R+/D+ uma população biologicamente e clinicamente mais vulnerável, o que pode amplificar o efeito aparente do diabetes sobre os desfechos.
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###### **🧠 Interpretação Clínica**
O diabetes afeta tanto o ambiente hemodinâmico e inflamatório do enxerto quanto a capacidade regenerativa endotelial do receptor. No R+/D+, há sobreposição de lesão microvascular pré-existente no rim do doador e estresse glicotóxico contínuo no receptor, acelerando a esclerose glomerular e a fibrose intersticial.
A progressão é multifatorial — não apenas metabólica, mas também imunológica e vascular.
✅ Transplantes de doadores diabéticos em receptores não diabéticos podem expandir o pool de doadores com risco aceitável.
⚠️ **A combinação R+/D+ requer avaliação individualizada, controle glicêmico rigoroso e monitorização intensiva de função endotelial e metabólica.**
🧮 O ajuste de risco deve considerar idade, tempo de diálise, comorbidades e perfil histológico do enxerto.
💬 Dica do NefroAtual
O diabetes não atua isoladamente como marcador de mau prognóstico— ele marca um perfil de vulnerabilidade clínica e biológica que, somado entre doador e receptor, potencializa o dano crônico do enxerto.