###### **Referência**:
Wu MZ et al. Urinary tract infection and continuation of sodium-glucose cotransporter-2 inhibitors in diabetic patients. Eur Heart J 2025 \[**[link](https://academic.oup.com/eurheartj/advance-article/doi/10.1093/eurheartj/ehaf788/8290387)**].
###### **Caso clínico**
Dona Elza, 67 anos, diabética tipo 2, vinha em uso de dapagliflozina havia oito meses, associada a metformina e losartana. TFGe de 68 mL/min/1,73 m², HbA1c 7,3%. Veio ao consultório queixando-se de ardor ao urinar e urgência miccional há três dias. Urinalise mostrou leucocitúria e a urocultura cresceu E. coli.
###### **O clínico que a atende ligou perguntando: “Devo suspender o iSGLT2, doutor?”**
E aí? Você manteria o medicamento ou pararia “por segurança”?
###### **O que o estudo mostrou:**
Um grupo chinês liderado por Wu e colaboradores analisou 61.606 pacientes com DM2 em uso de iSGLT2 entre 2015 e 2022. Desses, 6,4% apresentaram pelo menos um episódio de infecção urinária (ITU), e um terço (32%) suspendeu o medicamento após o episódio.
O estudo emulou um ensaio clínico (“target trial emulation”) comparando quem manteve vs. quem suspendeu o iSGLT2 após a infecção.
Esse tipo de estudo é uma forma moderna de analisar dados observacionais simulando um ensaio clínico randomizado. Nela, os pesquisadores “recriam” virtualmente dois grupos semelhantes de pacientes: um que continuou o iSGLT2 após a infecção urinária e outro que suspendeu a medicação. A partir de técnicas estatísticas avançadas (como clonagem dos pacientes, censura dos que mudam de estratégia e ponderação por probabilidades), é possível reduzir os vieses e estimar o impacto causal de cada conduta, aproximando-se da robustez de um trial real mesmo usando dados do mundo real!
###### **Pergunta 1: Ter uma ITU muda o prognóstico desses pacientes?**
Sim — e muito.
Pacientes que tiveram ITU apresentaram:
• 3,2 vezes mais risco de desfecho cardiovascular composto (IC 95%: 2,88–3,51);
• 2,5 vezes mais risco de desfecho renal composto (queda ≥50% TFGe, DRT ou morte);
• 3,4 vezes mais mortalidade global.
Ou seja: a infecção urinária não é um evento inocente — parece ser um marcador de fragilidade e inflamação sistêmica nesses pacientes.
###### **Pergunta 2: Parar o iSGLT2 depois da ITU traz algum benefício?**
Essa é a pergunta que mais interessa ao nefrologista.
Entre os pacientes que tiveram ITU, quem suspendeu o iSGLT2 teve:
• Risco 35% maior de desfecho cardiovascular (HR 1,35; IC 1,20–1,53);
• Risco 35% maior de desfecho renal (HR 1,35; IC 1,21–1,51);
• Risco 49% maior de mortalidade global (HR 1,49; IC 1,29–1,73).
E quanto às recorrências de ITU?
Foram iguais entre quem manteve e quem suspendeu! (HR 0,96; IC 0,22–4,29).
👉 Ou seja: parar o iSGLT2 não protege contra novas infecções, mas tira a proteção cardiorrenal que o medicamento confere.
###### **Como interpretar isso na prática?**
Esses dados reforçam que a ITU é um marcador de risco, não uma contraindicação.
O mecanismo proposto é interessante: a inflamação sistêmica e o estresse infeccioso podem desestabilizar o sistema cardiovascular e acelerar perda de função renal — justamente os desfechos que o iSGLT2 ajuda a prevenir.
Suspender o medicamento nesse momento pode agravar o risco global do paciente.
**A mensagem é: trate a infecção, mas retome o iSGLT2 o quanto antes.**
###### **Pontos práticos para o consultório**
• A maioria das ITUs em usuários de iSGLT2 ocorre nos primeiros 6 meses, mas podem surgir até 1 ano após o início.
• As microorganismos mais comuns foram E. coli (30%) e Candida spp (22%).
• Apenas 8% foram infecções graves exigindo internação.
• Não houve aumento de amputações, cetoacidose ou necessidade de diálise entre os que continuaram o iSGLT2.
• O estudo incluiu apenas dapagliflozina, empagliflozina e canagliflozina — ou seja, aplicável à nossa prática diária.
##### **Mensagem final do NefroAtual**
👉 A infecção urinária não deve ser motivo automático para parar o iSGLT2.
Ela é um marcador de maior risco — e justamente o grupo que mais se beneficia da continuidade da droga.
Trate a ITU, hidrate o paciente, e reinicie o iSGLT2 assim que possível.
E você? Na sua prática, costuma suspender o iSGLT2 quando o paciente tem uma infecção urinária?
Já viu algum caso de recorrência após manter a medicação?
**Conte nos comentários — e não esqueça: a boa ciência está dizendo que continuar o iSGLT2 pode salvar os rins e o coração! Ou seja, o paciente!**