**Referência**:
Bonares MJ et al. Delivery of Palliative Care in the Last Year of Life to Individuals Receiving Maintenance Dialysis. AJKD. 2025. \[**[link](https://www.ajkd.org/article/S0272-6386\(25\)00972-2/pdf)**]
###### **Caso clínico ilustrativo**
Dona Marlene, 79 anos, DRC estágio 5 em hemodiálise há 4 anos, diabética, frágil e com TFGe praticamente zero. Nas últimas semanas vem faltando sessões, reclama de cansaço “que não passa”, insônia, inapetência e dor lombar crônica.
Na sala de HD, pergunta baixinho:
“Doutor, é normal eu estar tão cansada assim? Eu não aguento mais…”
Você olha o prontuário: múltiplas internações no último ano, várias idas ao PS por dispneia e infecções.
Mas nunca — nunca — houve registro de discussão estruturada sobre sintomas, preferências de cuidado, objetivo terapêutico ou planejamento avançado…
A familiar pergunta:
“Ela não tem direito a algum tipo de suporte? Só existe hemodiálise e UTI?”
E é aqui que o artigo do AJKD 2025 entra! Estamos oferecendo cuidado paliativo tarde demais para quem mais precisa?
###### **O que o estudo investigou?**
O trabalho analisou cerca de 18 mil pacientes em diálise que morreram em Ontário (Canadá) entre 2012–2020 e avaliou:
• Quem recebeu cuidado paliativo médico no último ano de vida.
• Quando esse cuidado começou.
• Quem o forneceu.
• Onde o paciente morreu.
• Fatores associados ao acesso (ou à falta dele).
##### **Principais achados — e os dilemas para nós nefrologistas**
###### **1. Só 52% receberam cuidado paliativo — e muito tarde**
O estudo mostra que apenas metade desses pacientes recebeu algum cuidado paliativo médico.
**E quando recebiam?**
➡️ Mediana de 23 dias antes da morte… ou seja, parece cuidado de fim de vida e não cuidados paliativos…
Ou seja: chega tarde, quando já não há tempo para impacto real.
Você acha que 23 dias mudam o curso de um paciente tão frágil como Dona Marlene?
###### **2. Quem iniciava o cuidado? Geralmente, o clínico geral. O nefrologista, quase nunca…culpa nossa…**
Segundo o artigo:
• 68% das primeiras visitas paliativas foram feitas por médicos de família.
• Mais de 60% eram generalistas, não especialistas em paliativo.
• O nefrologista participou em uma fração ínfima dos atendimentos.
###### **Por quê?**
**O artigo discute três motivos prováveis:**
1\. Falta de treinamento em paliativo na formação do nefrologista.
2\. Sobrecarga e falta de tempo para conversas profundas.
3\. Desconhecimento sobre como e quando acionar serviços paliativos.
Você se vê nessa descrição?? Eu me vejo…
###### **3. Onde o paciente morre muda muito quando o paliativo entra na história**
• 65% dos pacientes morreram no hospital.
• Mas quem recebeu paliativo teve menor chance de morrer no hospital (OR 0,55).
• E quando o cuidado foi em casa, a redução do risco de morte hospitalar foi ainda maior (OR 0,16).
Ou seja: o paliativo permite que o paciente morra onde gostaria — não onde o sistema empurra…
###### **4. As desigualdades importam (e muito)**
Pacientes eram menos propensos a receber cuidado paliativo se eram:
• Imigrantes recentes
• Moradores de bairros mais pobres
• Moradores de áreas rurais
Isso nos lembra: equidade é parte do cuidado! Sem isso, o paliativo vira privilégio de poucos…
###### **E o que isso significa para a prática do nefrologista no Brasil?**
O estudo é canadense, mas os dilemas são universais:
\*\*Pergunta 1 – \*\*Estamos esperando “chegar perto do fim” para falar de sintomas, sofrimento e objetivos de cuidado?
O estudo indica claramente que paliativo ≠ fim de vida.
Ele deve entrar junto com a diálise — não depois!
**Pergunta 2 –** Será que o nefrologista está confortável em liderar (ou ao menos iniciar) essas discussões?
###### **O artigo sugere que não.**
Mas quem melhor do que nós para entender a trajetória da DRC??
Pergunta 3 – Em que momento você costuma pensar em paliativo? Quando o paciente…
• falta HD repetidamente?
• começa a perder peso?
• tem múltiplas internações?
• diz que não aguenta mais?
Esse estudo mostra que, se você esperar esse momento, você já está atrasado.
###### **Insights práticos para aplicar amanhã mesmo no consultório/salão de HD**
1\. Comece cedo: sintomas, preferências e objetivos devem ser discutidos ainda no estágio 4 de DRC.
2\. Perguntas simples ajudam:
o “O que é mais importante para você?”
o “Quais são seus maiores medos em relação ao tratamento?”
3\. Integre as equipes: paliativo não tira autonomia do nefro; ele soma!
4\. Documente preferências: evitar internações desnecessárias, sofrimento evitável e decisões de última hora.
5\. Reavalie constantemente: trajetórias mudam — o plano de cuidado também deve mudar.
##### **Mensagem final do NefroAtual**
O artigo do AJKD 2025 deixa claro: o cuidado paliativo em diálise está chegando tarde demais e para poucos.
Como líderes no cuidado desses pacientes, somos nós — nefrologistas — que podemos mudar isso!
Você já oferece cuidado paliativo integrado aos seus pacientes em diálise?
Ou ainda pensa nele apenas quando “não há mais o que fazer”?
Sabia que esses dados mostram que a maior parte dos nefros ao redor do mundo ainda não incorporou esse olhar?
**Conta pra gente, você já iniciou discussões paliativas com algum paciente em HD? Como foi?**