Paciente de 51 anos, transplantado renal há 7 meses (DRC por Doença Renal Policística), evoluiu com elevação da creatinina sérica (Cr) de 1,3 mg/dl para 1,8 mg/dl. Também foi observado o aparecimento de anticorpos específicos contra o doador (DSA) para DQ7 (MFI 15.506). Observou-se que o DNA livre de células do doador era de 4,7%.
Foi realizada uma biópsia do enxerto renal que revelou rejeição aguda mediada por anticorpos (RAMA), sendo iniciado o tratamento com três doses de metilprednisolona, duas doses de bortezomibe e duas sessões de aférese terapêutica (AT). Com isso, houve queda da Cr para 1,3 mg/dl.
Na terceira sessão de AT, foi utilizado plasma fresco congelado (PFC) como solução de reposição, devido ao risco de sangramento no local da biópsia renal, já que se identificou redução do fibrinogênio para 94 mg/dl nas duas primeiras sessões. Durante esta terceira sessão, o paciente desenvolveu desconforto respiratório agudo com urticária e sudorese, necessitando de interrupção da AT. Difenidramina e metilprednisolona intravenosa foram administradas com melhora gradual dos sintomas. A radiografia de tórax revelou campos pulmonares claros. A investigação para reação transfusional hemolítica aguda foi negativa.
No dia seguinte, a **Cr dobrou para 2,6** com leucocitose (contagem de glóbulos brancos, de 11,6 para 31,0), trombocitopenia (contagem de plaquetas, de 155 para 103), elevação de transaminases (AST de 15 para 214; TGO de 16 para 157) e **elevação de DHL para 2.235 unidades/L**. O tempo de tromboplastina parcial foi de 32,9 segundos e o INR, 1,4. Foi observada redução do MFI do DSA DQ7 (MFI 7204).
Foi realizado um ultrassom Doppler do enxerto renal que mostrou fluxos arterial e venoso preservados, mas com má perfusão intraparenquimatosa (Figura 1A). A Cr piorou progressivamente até 5,9 mg/dl. Foram realizadas mais duas sessões de AT com albumina 5% como solução de reposição e finalizado o tratamento com rituximabe. A Cr estabilizou em torno de 4,5 e o DNA livre de células derivado do doador reduziu para 0,09%. Foi repetida a biópsia do enxerto com 4 semanas, não sendo identificada RAMA ativa, mas um infarto envolvendo cerca de 50% do córtex (Figura 1B).
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**Discussão**
O tratamento com AT é frequentemente utilizado no tratamento da RAMA em transplantes renais. **Esse caso chama atenção para o risco de eventos trombóticos associados ao tratamento com AT**. Em um estudo com 20 transplantados com RAMA tratados com plasmaférese, dois pacientes desenvolveram infarto renal no momento do diagnóstico, antes do início do tratamento, e mais dois pacientes desenvolveram infarto durante o tratamento. Esses foram atribuídos à RAMA grave, ao contrário do paciente deste caso que apresentou uma RAMA leve ao diagnóstico, com melhora na Cr durante o tratamento, porém o paciente apresentou nova disfunção do enxerto após a terceira sessão de AT.
**A AT seriada retira vários fatores de coagulação e, embora complicações hemorrágicas decorrentes da depleção de fibrinogênio sejam mais temidas, a depleção de antitrombina III pode levar a fenômenos trombóticos. A utilização de PFC como solução de reposição, devido ao risco de sangramento no local da biópsia, provavelmente exacerbou o estado pró-trombótico neste paciente. **
Outro mecanismo plausível seria a trombose microvascular do enxerto renal relacionada à reação anafilática que ele apresentou durante a terceira sessão de AT. Foi relatado que a anafilaxia está associada ao risco de trombose pela ativação dos sistemas de contato e coagulação via fator XII e fator ativador de plaquetas.
**Para fixar**
A AT é um procedimento relativamente seguro, **mas o uso do PFC como solução de reposição está associado a uma maior taxa de reações adversas**. Devemos estar cientes das potenciais complicações trombóticas que podem ocorrer e tentar evitar o uso do PFC.