Com cerca de 39 mil pacientes na fila por um rim no Brasil aguardando um órgão, alternativas à escassez de doadores tornam-se cada vez mais relevantes. Uma das mais promissoras é o xenotransplante, e o Brasil começa a dar passos concretos nessa direção, especialmente com o avanço de projetos coordenados pela Universidade de São Paulo (USP).
###### O projeto Xeno BR: pesquisa nacional com padrão internacional
Um dos marcos mais relevantes é o Xeno BR, iniciativa liderada por pesquisadores da USP, como Mayana Zatz, com contribuições históricas de Silvano Raia. O projeto atua na edição genética de embriões suínos, com o objetivo de torná-los compatíveis com o sistema imunológico humano. O foco atual está na modificação de genes que desencadeiam rejeição hiperaguda, como CMAH, GGTA1 e β4GalNT2, e na inserção de genes humanos como CD55 e CD47, que favorecem a tolerância imunológica.
Essa fase de edição genética já foi implementada com sucesso em algumas linhagens, e a expectativa é iniciar a produção de suínos geneticamente modificados para fins de estudos pré-clínicos ainda em 2024.
###### Inauguração da primeira “pig facility” do Brasil
Em abril de 2024, foi inaugurado o primeiro biotério de suínos geneticamente modificados do país, localizado na Cidade Universitária da USP, em São Paulo. Com nível de biossegurança 2 e capacidade para 10 a 15 animais, o espaço é voltado para pesquisa em xenotransplante e representa um marco inédito na América Latina.
O projeto conta com financiamento da FAPESP, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), da USP e de parceiros privados como a farmacêutica EMS e a startup XenoBrasil. O investimento total supera R$ 50 milhões, incluindo aportes significativos do governo do estado de São Paulo em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
###### Por que o rim será o primeiro alvo?
Entre os órgãos-alvo para xenotransplante, o rim desponta como o mais viável na fase inicial, por permitir que, em caso de falência do enxerto, o paciente retorne à hemodiálise. Isso oferece uma “rede de segurança” clínica ausente em transplantes de coração ou fígado.
O plano dos pesquisadores brasileiros é alcançar a fase de testes clínicos em humanos até 2028, a depender da continuidade dos recursos e da segurança demonstrada nos estudos com modelos animais.
###### Perspectiva futura: integração ao SUS
A longo prazo, espera-se que a tecnologia esteja acessível dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), beneficiando pacientes que hoje enfrentam longas filas e mortalidade elevada enquanto aguardam um órgão. Para isso, será essencial o avanço paralelo de estudos de biossegurança, imunomodulação e diretrizes éticas e regulatórias.
✅ O que esperar? O Brasil avança em direção ao xenotransplante com um projeto estruturado, financiamento público-privado e suporte institucional. Para o nefrologista, isso representa uma nova possibilidade terapêutica em médio prazo, principalmente para pacientes em hemodiálise crônica e com baixa chance de receber um rim humano. O conhecimento e o acompanhamento desse campo emergente serão estratégicos para a prática clínica e para a tomada de decisão futura em transplantes.