Referência: Birdie Huang et al., Scientific Reports, 2025 ([link](https://www.nature.com/articles/s41598-024-81973-z))
Caso clínico Imagine a seguinte situação: você está atendendo um paciente com diabetes tipo 2, 68 anos, TFGe de 12 mL/min/1,73m², anemia leve já tratada com EPO, sem necessidade de diálise ainda em avaliação pré tx. Ele já usava dapagliflozina quando a TFGe caiu abaixo de 15. Surge a dúvida: devo manter ou suspender o iSGLT2? Existe risco de infecção? Vou precipitar a necessidade de diálise?
Qual foi o objetivo deste estudo?
Para tentar responder a essa pergunta, pesquisadores taiwaneses realizaram um grande estudo de coorte retrospectivo utilizando o banco de dados nacional de Taiwan. Eles analisaram mais de 36 mil pacientes com DRC estágio 5 e diabetes tipo 2, comparando aqueles que mantiveram o uso de iSGLT2 por pelo menos 90 dias após o diagnóstico de DRC5 com aqueles que não utilizaram essa classe de medicamentos.
Como o estudo foi desenhado? Os autores utilizaram o recurso de propensity score matching (1:4) para equilibrar as características basais entre os grupos. As principais variáveis consideradas incluíram idade, sexo, comorbidades, histórico de hospitalizações e medicamentos utilizados.

Quais foram os principais achados?
Proteção renal: Menor incidência de evolução para DRC com necessidade de diálise ou transplante no grupo que manteve o iSGLT2 (36,1% vs. 61,6%; HR 0,61; IC95% 0,47–0,77).

Infecções: Não houve aumento no risco de hospitalizações por infecção ou mortalidade associada a infecções.

Eventos cardiovasculares (MACCE): Nenhuma diferença significativa entre os grupos (HR 0,98; IC95% 0,69–1,38).

Mortalidade geral:
Sem diferença significativa (HR 0,86; IC95% 0,60–1,23).

Mas como isso faz sentido se o paciente tem TFGe tão baixo?
Apesar do receio de que a redução da hiperfiltração em pacientes com TFGe muito baixo pudesse precipitar sintomas urêmicos e antecipar a diálise, o estudo mostrou que, ao contrário, a manutenção da proteção renal prevaleceu. Além disso, com a TFGe muito reduzida, a quantidade de glicose eliminada na urina diminui consideravelmente, reduzindo o risco teórico de infecções urogenitais.
Existe alguma limitação importante? Sim! A maioria dos pacientes já estava em uso de iSGLT2 antes de atingir a DRC5. Portanto, este estudo mostra que manter a medicação é seguro, mas não prova que iniciar iSGLT2 na DRC5 seja seguro ou benéfico.

Outras limitações incluem o desenho observacional (sem randomização) e a falta de dados laboratoriais como proteínúria, albumina e hemoglobina glicada.
Mensagem Final do NefroAtual:
Se o paciente com diabetes tipo 2 já usava iSGLT2 e atingiu DRC estágio 5, manter a medicação pode retardar a progressão para a diálise, sem aumento do risco de infecções ou mortalidade. Trata-se de uma evidencia relevante na prática, embasada em dados observacionais robustos. No entanto, ainda aguardamos mais estudos, especialmente ensaios clínicos randomizados, para validar o início de iSGLT2 nesta fase. Estamos aguardando a publicação do estudo em que foi usado dapagliflozina 5 mg nestes pacientes e que foi apreesntado no congersso americano de San Diego 2024.
E você?
Mantém iSGLT2 em pacientes com TFGe < 15 mL/min/1,73m²? Costuma suspender por segurança? Ou já se sente confortável em manter? Conta pra gente nos comentários!