Referência: Stamellou E, Georgopoulos C, et al. 10 tips on how to manage severe arrhythmia in haemodialysis patients. Clinical Kidney Journal, 2025. 
 Caso clínico: 
 Seu Carlos, 70 anos, faz hemodiálise há 5 anos. Após o fim de semana, chega para a sessão de segunda-feira com cansaço, leve desconforto torácico e potássio pré-diálise de 7,3 mEq/L. Durante a primeira hora da sessão, com dialisato K+ 1,5 mEq/L, apresenta perda de consciência súbita. ECG mostra assistolia. Tentativas de reanimação são infrutíferas. Teria sido possível evitar essa complicação?? 
 Dica 1 – Atue rapidamente diante de arritmias agudas 
 Paciente instável na diálise? Siga o protocolo ACLS imediatamente. Para pacientes estáveis, ECG de 12 derivações pode esclarecer 80% dos casos. Reconhecer bradiarritmias e taquiarritmias precocemente e intervir de forma sistematizada salva vidas. 
  
   
 Fluxograma de conduta em eventos arrítmicos agudos na diálise: instabilidade hemodinâmica exige protocolo ACLS imediato; pacientes estáveis devem ser avaliados com ECG e eletrólitos. 
 Dica 2 – Reconheça os fatores de risco 
 Histórico de infarto, disfunção ventricular, diabetes, disautonomia ou longos intervalos interdiálise são pistas valiosas. Também entram na equação: flutuação de eletrólitos, sobrecarga hídrica, inflamação e até temperatura do banho. Avaliar é prevenir. 
  Fatores de risco para arritmias graves em pacientes em hemodiálise 
 · Anormalidades cardíacas estruturais e funcionais 
 · Neuropatia autonômica 
 · Flutuações de eletrólitos e pH 
 · Toxinas urêmicas 
 · Sobrecarga volêmica 
 · Taxas elevadas de ultrafiltração 
 · Temperatura do dialisato 
 · Oscilações da pressão arterial 
 · Anemia 
 · Inflamação 
 Dica 3 – Revise as medicações do paciente 
 Antiarrítmicos, beta-bloqueadores, antidepressivos, antibióticos e até analgésicos comuns podem prolongar QT ou induzir bradiarritmias. Evite surpresas: revise prescrições com atenção especial ao intervalo QT e função do nó sinusal. 
 Tabela 2: Medicamentos que podem causar ou agravar bradicardia sinusal/bloqueio atrioventricular (adaptado de Tisdale et al.) 
  
 Os seguintes medicamentos estão associados ao prolongamento do intervalo QT e, portanto, podem aumentar o risco de arritmias ventriculares, especialmente em pacientes em hemodiálise! 
 · Antiarrítmicos: os fármacos das classes I (como quinidina, procainamida, disopiramida e flecainida) e classe III (como amiodarona, sotalol, dofetilida e dronedarona) são sabidamente associados ao prolongamento do intervalo QT. 
 · Antipsicóticos: incluem haloperidol, droperidol, quetiapina, tioridazina, olanzapina e risperidona, todos com potencial de prolongar o QT, especialmente quando associados a distúrbios hidroeletrolíticos. 
 · Antibióticos: fluoroquinolonas (como ciprofloxacino), macrolídeos (como azitromicina), trimetoprima e antifúngicos azólicos (como fluconazol) são frequentemente implicados nesse efeito. 
 · Antidepressivos: os antidepressivos tricíclicos como amitriptilina, nortriptilina e doxepina, assim como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) como citalopram, escitalopram e fluoxetina, têm risco reconhecido de prolongar o QT. 
 · Opioides: a metadona, em especial, é conhecida por prolongar significativamente o intervalo QT, particularmente em doses elevadas ou em uso crônico. 
 · Antieméticos: ondansetrona e metoclopramida também são implicados em casos de prolongamento do QT, principalmente em pacientes com distúrbios de eletrólitos. 
 · Diuréticos: furosemida e indapamida podem contribuir indiretamente ao prolongamento do QT por induzirem hipocalemia e hipomagnesemia, que são fatores pró-arrítmicos. 
 Dica 4 – Cuidado com o QT prolongado 
 QTc > 450 ms em homens ou > 470 ms em mulheres já é considerado anormal. E na diálise isso é frequente. Monitorize com ECGs regulares, ajuste potássio, cálcio e evite combinações perigosas com medicações. CDI pode ser necessário em casos selecionados. 
 Dica 5 – Controle o potássio de forma inteligente 
 Nada de extremos. Evite K+ no banho <2 ou >3 mEq/L. A “Regra dos 7” ajuda: 7 menos o K+ pré-diálise = concentração no dialisato. Considere uso de quelantes, perfis de potássio e monitore sempre!! 
   
  
 Dica 6 – Equilibre cálcio e magnésio no banho 
 Cálcio baixo (1,25 mmol/L) pode ser perigoso em pacientes com QT prolongado. Já o magnésio, quando mantido em 0,5 mmol/L (1,0 mEq/L), pode proteger contra arritmias. Especial atenção a pacientes hipocalêmicos ou com grandes flutuações de K+!! 
 Dica 7 – Reduza a sobrecarga hídrica e a UF agressiva 
 UF > 13 mL/kg/h aumenta o risco de morte súbita. Avalie e reajuste o peso seco com bioimpedância, use mais sessões semanais e restrinja sódio na dieta. Modalidades como HDF ou HD noturna também ajudam. 
 Dica 8 – Atenção ao bicarbonato no banho (DBIC) 
 DBIC > 35 mmol/L combinado com K+ e Ca++ baixos aumenta risco de arritmias. Elevações rápidas de bicarbonato causam queda de potássio e cálcio séricos. O ideal? Bicarbonato plasmático entre 24–28 mmol/L no pré e pós-HD. 
 Dica 9 – Encaminhe para a cardiologia quando indicado 
 Pacientes com QT prolongado, disautonomia, apneia do sono ou doença valvar grave precisam de avaliação especializada. Implante de CDI é controverso, mas pode ser indicado em casos com alto risco ou após PCR. 
 Dica 10 – Eduque o paciente e a família 
 Palpitação, cansaço extremo, dormência ou dor torácica? Alerta vermelho. Oriente sobre dieta pobre em potássio, restrição de líquidos, reconhecimento de sintomas e importância do seguimento. A adesão pode evitar o pior. 
 Mensagem final do NefroAtual 
 Evitar arritmias fatais na hemodiálise é possível e é de resposabilidade do nefrologista assistente! Com atenção aos detalhes dos farmacos, revisão criteriosa da prescrição do banho e trabalho em equipe, é possível transformar um terreno de alto risco (arritmogênico) em um ambiente seguro. 
 E você? Já revisou hoje o banho de diálise do seu paciente pensando no risco de arritmia?