As cãibras musculares são complicações comuns e clinicamente relevantes na hemodiálise (HD), frequentemente levando à interrupção precoce das sessões, com impacto na adequação da diálise e risco de hipervolemia.
Embora a fisiopatologia não esteja completamente esclarecida, acredita-se que múltiplos fatores contribuam para seu surgimento, incluindo alterações na osmolalidade plasmática, contração do volume extracelular e desequilíbrios eletrolíticos.
###### **Principais mecanismos envolvidos**
1. Alterações na osmolalidade plasmática – especialmente com dialisato de baixo sódio.
2. Contração rápida do volume plasmático – hipotensão e hipovolemia intradialítica.
3. Hipóxia e hipoperfusão tecidual.
4. Distúrbios eletrolíticos – hipomagnesemia e hipocalemia.
Entre esses fatores, **a redução rápida do volume plasmático e as variações eletrolíticas são os mais frequentemente implicados**, embora as evidências sejam limitadas e, muitas vezes, baseadas em explicações simplificadas.
###### **Tratamento das cãibras na fase aguda**
###### **Se houver hipotensão:**
* Bolus de SF 0,9% (100–200 mL).
* Ajustar a taxa de ultrafiltração (UF).
###### **Na ausência de hipotensão ou em pacientes congestos:**
* Glicose 50%: 20–50 mL em bolus.
* NaCl 20%: 10–20 mL em bolus.
* Manitol 100 mL (menos preferido devido ao risco de acúmulo extracelular).
**💡 A infusão deve ser rápida — infusões lentas geralmente não aliviam o sintoma.**

###### **Prevenção das cãibras na HD**
O manejo preventivo busca reduzir a frequência e minimizar a intensidade dos episódios. Estratégias incluem:
###### **1. Redução da ultrafiltração**
* Diminuir a taxa de UF, evitando hipovolemia abrupta.
* Orientar redução do ganho interdialítico de peso (restrição de sódio e líquidos).
* Estender o tempo de diálise mantendo o mesmo objetivo de UF.
* Fracionar a UF em sessões adicionais.
* Ajustar o peso seco para um valor ligeiramente mais alto.
###### **2. Aumento da concentração de sódio no dialisato**
* Pode ser contínuo ou realizado via modelagem de sódio (redução progressiva durante a sessão).
* Útil em pacientes jovens sem doença cardiovascular significativa.
* Atenção para o risco de balanço positivo de sódio → hipertensão e sobrecarga volêmica.
###### **3. Elevação da osmolalidade plasmática**
* Uso de soluções hipertônicas (NaCl hipertônico, glicose a 50%) ou manitol para reduzir a excitabilidade muscular.
* Preferir glicose ou NaCl hipertônico ao manitol para evitar acúmulo no final da sessão.
###### **4. Mudança da modalidade de diálise**
* Em casos refratários: considerar HD noturna, diálise domiciliar ou diálise peritoneal.
###### **5. Medidas farmacológicas e físicas**
* Medicamentos: gabapentina, amitriptilina, vitamina E, vitamina C; uso relatado mas com evidência limitada.
* Descritos no Manual de Diálise (Daugirdas): biotina, carnitina, oxazepam, quinina, vitamina E — pouco utilizados na prática.
* Intervenções físicas: alongamentos, massagem, compressas mornas, ciclismo intradialítico.

###### **Impacto prático para nefrologistas**
O controle efetivo das cãibras pode melhorar a qualidade de vida e otimizar a adequação da diálise. A abordagem deve ser individualizada, combinando ajustes técnicos (UF, sódio, tempo de sessão), medidas farmacológicas e suporte físico, considerando sempre o perfil clínico do paciente.
**Referências**
* Murtagh FE, et al. Acute therapy of hemodialysis-related muscle cramps. AJKD. 1982. PMID: 7124726
* de Brito-Ashurst I, et al. Pharmacological Treatment for Dialysis-Related Muscle Cramps: A Systematic Review. Semin Dial. 2024. PMID: 39155056
* Manual de Diálise, John T. Daugirdas, 5ª edição.
* UpToDate, 2025. Acute complications during hemodialysis