###### **Caso clínico **
Você recebe um paciente de 54 anos, DRC estágio 5D, em hemodiálise convencional 3x/semana. Queixa-se de prurido intenso, fadiga, e apresenta β2-microglobulina elevada, com história de síndrome do túnel do carpo. O acesso é uma fístula bem funcionante com Qb habitual de 400 mL/min. Na última reunião da equipe da diálise, levantou-se a possibilidade de mudar para **hemodiafiltração online (HDF)** para melhor depuração de toxinas médias. **Surge a dúvida: qual modalidade escolher — pré, pós ou mista — e como prescrever de forma segura e eficiente?**
###### **Princípios básicos da HDF**
* **Objetivo**: combinar difusão (HD) com convecção, aumentando a remoção de solutos de médio e alto peso molecular (ex.: β2-microglobulina, fosfato, AGEs).
* **Requisito essencial:** dialisadores de alto fluxo e reposição com solução estéril e apirogênica (gerada online) + acesso com bom fluxo (ideal >400mL/min)
* **Benefício clínico:** redução de complicações relacionadas a toxinas urêmicas médias e potencial impacto em sobrevida.

###### **Tipos de infusão**
###### **Pós-diluição (post-HDF)**
* **Como funciona:** infusão da solução de reposição após o dialisador.
* **Vantagem**: maior eficiência na depuração, já que o sangue chega concentrado à membrana.
* **Desvantagem**: risco de hemoconcentração, aumento da pressão transmembrana (TMP), coagulação do dialisador, necessidade de limitar a fração de filtração (FF) a ~0,45–0,50.
**Prescrição típica:**
* Qb: 350–450 mL/min
* Qd: 500–700 mL/min
* Substituição: 20–25 L/sessão (ajustar para manter FF <0,5)
* Monitorar TMP e Hct pós-filtro
###### **Pré-diluição (pre-HDF)**
* **Como funciona**: reposição antes do dialisador, diluindo o sangue.
* **Vantagem**: menor hemoconcentração → permite volumes maiores de substituição.
* **Desvantagem**: diluição reduz gradiente de difusão/convecção, diminuindo eficiência na remoção de pequenas moléculas.
**Prescrição típica:**
Qb: 350–450 mL/min
Substituição: até 40 L/sessão
Necessário dobrar volume infundido para obter eficiência próxima à pós-diluição.
###### **Mista (pré + pós-diluição)**
* **Como funciona: **combinação das duas estratégias, dividindo o volume total de reposição antes e depois do dialisador (ex.: 50/50 ou 60/40).
* **Vantagem**: mantém boa eficiência sem atingir limites perigosos de TMP, melhor preservação do KUF ao longo da sessão, menor risco de coagulação de fibras.
* **Desvantagem**: logística um pouco mais complexa na programação da máquina.
**Prescrição típica:**
* Qb: 350–450 mL/min
* Qd: 500–700 mL/min
* Substituição: 20–25 L/sessão (dividido entre pré e pós)
* Ajustar proporção conforme tolerância hemodinâmica e FF
###### **Escolha do dialisador**
* Membranas de alto fluxo (KUF elevado, >20 mL/h/mmHg), biocompatíveis (polissulfona, PMMA, PES).
* Área: ≥1,8 m² para pacientes adultos, ajustando a superfície conforme tamanho corporal.
* Alta capacidade de depuração de β2M e fosfato.
###### **Vantagens e desvantagens resumidas**

###### **Prescrição prática passo a passo**
1. Definir modalidade com base em acesso, Qb tolerado e objetivo clínico (ex.: β2M alta → preferir pós ou mista).
2. Escolher dialisador de alto fluxo, área adequada.
3. Programar fluxo sanguíneo (Qb) — idealmente 350–450 mL/min.
4. Definir volume de substituição:
1. Pós: ~20–25% do volume processado, mantendo FF <0,5.
2. Pré: pode dobrar o volume, compensando a diluição.
3. Mista: dividir volume total (50/50 ou 60/40).
5. Ajustar Qd (500–700 mL/min) para manter boa difusão.
6. Monitorar TMP e sinais de coagulação, ajustando infusão se necessário.
7. Registrar dados (volume de substituição, FF, TMP médio, eKt/V) para avaliar eficiência.
###### **HDF de Alto Volume – o que significa?**
* Definição operacional: volume convectivo ≥ 23 L/sessão na pós-diluição (alguns estudos consideram ≥ 20 L).
* Em pré-diluição, o volume alvo deve ser dobrado (≈ 46 L) para obter depuração equivalente.
* Nos estudos de sobrevida, o benefício foi visto apenas em pacientes que atingiram esses volumes!
###### **Por que o volume importa?**
Estudos como ESHOL (Ok et al., 2013) e meta-análises mostram associação de HDF de alto volume com:
* Redução da mortalidade cardiovascular
* Menor mortalidade por todas as causas
* Melhora de sintomas urêmicos
* Relação dose-resposta: quanto maior o volume convectivo (até certo limite), maior o benefício.
###### **Fatores que influenciam o volume alcançado**
* Fluxo sanguíneo (Qb):
* Meta: ≥ 350 mL/min (ideal 400–450 mL/min)
* Limitações: tipo de acesso, recirculação…
* Tempo de diálise:
* 4 horas ou mais por sessão aumentam chance de atingir alvo
* Fração de Filtração (FF):
* Pós-diluição: manter ≤ 25% (0,25) para evitar hemoconcentração excessiva
* Mista: pode tolerar FF mais alta na parte pré
* Permeabilidade da membrana:
* Dialisadores de alto fluxo, KUF > 20 mL/h/mmHg
* Pressão transmembrana (TMP):
* Monitorar para evitar queda da eficiência por coagulação
###### **Passo a passo da prescrição para alto volume (pós-diluição)**
1. Escolher dialisador:
1. Alto fluxo, área ≥ 1,8 m², biocompatível (polissulfona, PMMA, PES)
2. Definir Qb:
1. 400 mL/min (ou máximo tolerado pelo acesso)
3. Definir Qd:
1. 500–700 mL/min
4. Volume convectivo alvo:
1. ≥ 23 L na pós-diluição (excluindo UF de balanço hídrico)
5. Tempo de sessão:
1. 4 horas (se possível, mais tempo = mais volume)
6. Monitorar FF:
1. Calcular: FF = (Taxa de infusão + UF de balanço) / Qb efetivo
7. Ajustar em tempo real:
1. Se TMP subir ou houver coagulação, reduzir volume e compensar com pré-diluição mista
###### **Estratégias para alcançar o alvo**
* Pré-sessão: garantir boa função do acesso vascular (sem recirculação excessiva)
* Durante a sessão:
* Usar programa automático da máquina para otimizar volume convectivo mantendo TMP segura
* Dividir infusão em pré + pós (modalidade mista) se TMP limitar volume
* Após sessão: registrar volume convectivo real e adequar prescrição para próxima sessão
###### **Valores típicos dos principais estudos**
Comparativo rápido dos estudos de alto volume (pós-diluição)

###### **Mensagem final do NefroAtual**
A hemodiafiltração é uma arma poderosa para remover móleculas médias (toxinas médias) e melhorar o perfil inflamatório do paciente dialítico. Entender os princípios de cada modalidade (pré, pós e mista) permite prescrever de forma segura e personalizada. E você — já experimentou ajustar a proporção pré/pós para otimizar a sessão do seu paciente?
**Referências**
* Blankestijn PJ, Grooteman MP, Nube MJ, Bots ML. Clinical evidence on haemodiafiltration. Nephrol Dial Transplant. 2018;33(suppl_3):iii53–iii58. doi:10.1093/ndt/gfy218.
* Canaud B, et al. Hemodiafiltration to address unmet medical needs. Kidney International Supplements. 2010; (1): 33–39.
* Flythe JE, et al. [Review article sobre hemodiálise e modalidades convectivas]. JAMA. 2024. [Arquivo: jama_flythe_2024_rv_240021_1730922277.20624.pdf].
* Ok E, et al. ESHOL/CONTRAST/THDFS related RCT findings – Hemodiafiltration outcomes. New England Journal of Medicine. 2023. [Arquivo: NEJMoa2304820.pdf].
* Pedrini LA, et al. Mixed predilution and postdilution online hemodiafiltration compared with the traditional infusion modes. Kidney International. 2000;58:2155–2165. doi:10.1046/j.1523-1755.2000.00384.x.
* Blankestijn PJ, Grooteman MPC, Davenport A, et al. Effect of Hemodiafiltration or Hemodialysis on Mortality in Kidney Failure. New England Journal of Medicine. 2023;389(8):681-692. doi:10.1056/NEJMoa2304820.
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