A rejeição mediada por anticorpos crônica ativa (RMAC ativa) é uma das principais causas de perda tardia de enxertos renais. Até então, não existia uma terapia comprovadamente eficaz. A imunoglobulina intravenosa (IVIG), usada de forma empírica em protocolos de dessensibilização e rejeição aguda, **ganhou agora evidência em RMAC ativa.** 
 📚 **Referência**: Mulley WR, Kidney Int. 2025 \[**[link](https://www.kidney-international.org/article/S0085-2538\(25\)00406-5/fulltext)**] 
 ###### **Informações Relevantes desse RCT** 
 * **Ensaio VIPAR**: 30 transplantados renais com biópsia confirmando RMAC ativa. 
 * **Intervenção**: IVIG 1 g/kg/mês × 6 meses vs. controle (sem IVIG), todos em imunossupressão padrão. 
 * **Critérios de exclusão**: **pacientes com TFG \<25 mL/min, proteinúria >3 g/d ou fibrose >50%. **Ou seja, os resultados não podem ser extrapolados para pacientes em estágios mais avançados de lesão crônica. 
 * **Desfecho primário**: progressão histológica pelo Chronic Allograft Damage Index (CADI). 
 **Detalhando a intervenção** - Droga usada: IVIG (preparações comerciais Octagam® ou Privigen®). 
 Esquema: 
 1. Dose de 1 g/kg/mês. 
 2. Administrada por infusão lenta, em 1 a 2 dias. 
 3. Ciclo inicial de 3 meses consecutivos. 
 4. Se houvesse persistência de microvasculite (capilarite/glomerulite) na biópsia de 3 meses → o ciclo era repetido por mais 3 meses (total de até 6 doses). 
 5. Imunossupressão concomitante (igual em ambos os grupos): 
 * Tacrolimus (nível-alvo 3–8 ng/mL). 
 * Micofenolato (dose mínima 1,5 g/dia). 
 * Prednisona (5 mg/dia). 
 Observação 
 * **Corticoterapia adicional:** todos os pacientes receberam pulso de metilprednisolona (250 mg/dia por 3 dias) no início do estudo; se houvesse atividade persistente em 3 meses, repetia-se o pulso. 
 * **Grupo controle (sem IVIG): **recebeu exatamente o mesmo protocolo de imunossupressão e corticoterapia, apenas sem as infusões de IVIG. 
  
 ###### **🔬 Resultados:** 
 * Histologia: **CADI estável **com IVIG (–0,004/mês) vs. **piora **no grupo controle (+0,28/mês). 
 * **Função rena**l: declínio mais lento da TFG (–0,4 vs. –1,1 ml/min/mês). 
 * **Sobrevida**: sem diferença de enxerto em 12 meses, mas menos perdas e mortes no grupo IVIG em 5 anos (0 vs. 5 óbitos). 
 * **Molecular**: redução de 59 genes pró-inflamatórios (B células, NK, T células, vias de fibrose). 
 * **Limitações**: sem impacto em DSA ou proteinúria. 
  
 ###### **Limitações do estudo** 
 * Amostra pequena: apenas 30 pacientes, com recrutamento interrompido precocemente, o que reduz o poder estatístico e a confiabilidade para desfechos clínicos maiores. 
 * Estudo aberto: sem placebo e sem cegamento de pacientes/médicos, o que pode introduzir vieses, embora as biópsias tenham sido avaliadas de forma cega. 
 * Desfecho substituto: usou o CADI como endpoint primário, marcador prognóstico validado, mas que não reflete diretamente sobrevida do enxerto ou do paciente. 
 ###### **Como a IVIG pode proteger o enxerto renal?** 
 IVIG é uma imunoglobulina polivalente derivada de plasma humano, com múltiplos mecanismos imunomodulatórios: 
 1. Neutralização de anticorpos e citocinas → bloqueia a atividade de DSA circulantes e mediadores inflamatórios. 
 2. Bloqueio do receptor Fcγ → inibe ativação de macrófagos, neutrófilos e **células NK**, reduzindo inflamação tecidual. 
 3. Efeito anti-idiotípico → anticorpos presentes na IVIG podem se ligar a autoanticorpos/DSA, diminuindo sua ação efetora. 
 4. Modulação de células B e T → promove downregulation de B-células efetoras e aumento de células regulatórias. 
 5. Redução da fibrose intrarrenal → via supressão de genes pró-fibróticos e pró-inflamatórios, estabilizando o remodelamento crônico. 
 **Conclusão: **O VIPAR trial mostra que a IVIG pode estabilizar histologia e TFG em RMAC ativa, modulando vias inflamatórias e fibróticas mesmo sem reduzir DSA. É o primeiro RCT positivo nessa condição e reforça a IVIG como opção terapêutica a considerar, especialmente até que novos agentes (ex.: anti-CD38, anti-IL-6) sejam validados em larga escala. 
 **Para nefrologistas e transplantadores:** IVIG não é a solução definitiva, mas pode representar um ponto de virada no manejo da RMAC ativa.