Que tal um caso clínico para ilustrar? 😊
Maria, uma paciente de 32 anos com diagnóstico de nefrite lúpica, controlada com micofenolato de mofetila (MMF) e prednisona, apresentou recentemente cefaleia intensa, visão turva e dor em membros inferiores. O exame
físico revelou hipertensão arterial, e exames laboratoriais mostraram aumento significativo de creatinina e trombocitopenia. Testes confirmaram a presença de anticorpos antifosfolípides, com atividade de ADAMTS13 normal, sugerindo um quadro de Síndrome Antifosfolípide (SAF) com microangiopatia trombótica (TMA).
Quais São os Critérios Diagnósticos e Anticorpos na SAF
A SAF é caracterizada pela presença de anticorpos antifosfolípides, que incluem anticardiolipina (ACL), anticoagulante lúpico (ACL) e anti-β2-glicoproteína I. Esses anticorpos são responsáveis pelo estado
pró-trombótico, aumentando o risco de eventos trombóticos venosos e arteriais, além de complicações obstétricas.
Cerca de 30-50% dos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES) apresentam anticorpos antifosfolípide. Uma proporção significativa pode desenvolver complicações renais, como a nefropatia por SAF. Essa nefropatia pode se manifestar como trombose arterial ou venosa renal, ou como microangiopatia trombótica renal, exacerbando a lesão renal já existente pela nefrite lúpica (como no caso de Maria).
Mas quais são os Critérios diagnósticos da SAF segundo a EULAR (European League Against Rheumatism)?
Critérios Clínicos:
1. Trombose Vascular: Um ou mais episódios clínicos de trombose arterial, venosa ou em pequenos vasos de qualquer órgão ou tecido.
2. Complicações Obstétricas:
3. Critérios Sorológicos:
* Anticardiolipina: IgG e/ou IgM em títulos médios ou altos, em duas ou mais ocasiões, com
intervalo de pelo menos 12 semanas.
* Anticoagulante Lúpico: Detectado em duas ou mais ocasiões, com intervalo de pelo menos 12 semanas, de acordo com as diretrizes da International Society on Thrombosis and Haemostasis.
* Anticorpo anti-β2-glicoproteína I: IgG ou IgM em títulos elevados, em duas ou mais ocasiões, com intervalo de pelo menos 12 semanas.
Para o diagnóstico de SAF, é necessário que o paciente apresente pelo menos um critério clínico e um critério sorológico.
E em relação ao tratamento? O que muda?
Orientações do KDIGO 2024
De acordo com as diretrizes do KDIGO 2024, o manejo da SAF em pacientes com nefrite lúpica inclui:
1. Anticoagulação: A anticoagulação prolongada com varfarina é recomendada para prevenir eventos trombóticos. Os NOACs (anticoagulantes orais diretos) não são recomendados devido à sua eficácia inferior em comparação à varfarina.
2. Plasmaférese e Corticosteroides: Em casos graves de SAF, como na SAF catastrófica, além da anticoagulação, o tratamento pode incluir plasmaférese, corticosteroides em altas doses, e, em casos selecionados, o uso de
rituximabe ou eculizumabe.
3. Manutenção da Imunossupressão: O controle da nefrite lúpica com imunossupressores, como MMF, deve continuar, com ajustes terapêuticos baseados na resposta clínica e laboratorial do paciente.
Opinião Nefroatual
Nos pacientes com nefrite lúpica e SAF é fundamental uma abordagem o tratamento adequado, o alto grau de suspeita clínica e o suporte multiprofissional com reumatologistas e hematologistas. A identificação precoce
e o manejo adequado das complicações trombóticas são fundamentais para melhorar os desfechos desses pacientes. A anticoagulação com varfarina permanece o padrão de cuidado, e o uso de NOACs deve ser evitado. O acompanhamento contínuo e os ajustes terapêuticos são essenciais para garantir a estabilidade da doença e a prevenção de eventos adversos.