###### **Caso clínico **
Homem de 68 anos, DRC estágio 4 (TFGe 22 mL/min/1,73m²), diabético, hipertenso e com coronariopatia conhecida, foi indicado para cirurgia cardíaca eletiva de revascularização. No preparo pré-operatório, surgiu o dilema: realizar hemodiálise preemptiva, mesmo sem estar em programa regular, ou apenas otimizar volume e eletrólitos e aguardar para eventual necessidade pós-operatória?
Essa é uma dúvida frequente para nós nefrologistas e equipes cirúrgicas, especialmente em cirurgias de alto risco como as cardíacas, vasculares e grandes procedimentos abdominais.
Vamos lá para o que eu encontrei na literatura:
###### **Evidências em pacientes em diálise crônica**
O estudo de **Fielding-Singh et al. (JAMA 2022, [link](https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2798071))**, com mais de 1,1 milhão de cirurgias em pacientes com DRC estágio terminal em hemodiálise, mostrou:
* Intervalos maiores entre a última diálise e a cirurgia associaram-se a maior mortalidade em 90 dias, de forma dose-dependente.
* Comparado a 1 dia, intervalo de 2 dias aumentou risco (HR 1,14) e de 3 dias aumentou ainda mais (HR 1,25).
* Diálise no mesmo dia da cirurgia reduziu mortalidade em relação a não dialisar no dia, especialmente quando o intervalo prévio era maior que 1 dia.
* Diferença absoluta de risco foi pequena, mas consistente, sugerindo que manter a diálise no dia anterior ou mesmo no próprio dia pode ser benéfico para reduzir sobrecarga volêmica, distúrbios eletrolíticos e uremia.
###### **Evidências em pacientes com DRC avançada, mas não dialíticos**
A literatura é escassa… Mas o trabalho de **Khan et al. (Ann Thorac Surg 2009, [link](https://www.annalsthoracicsurgery.org/article/S0003-4975(08)02751-3/pdf))** revisou retrospectivamente pacientes com clearance de creatinina ≤30 mL/min submetidos a cirurgia cardíaca:
* Grupo com diálise eletiva no perioperatório (mesmo não sendo crônicos) teve menos complicações neurológicas (p=0,004), menos eventos adversos maiores (p=0,013) e tendência a menor tempo de internação.
* O benefício foi mais evidente em pacientes com creatinina ≥2,5–3 mg/dL e comorbidades significativas (idade avançada, fragilidade, múltiplas doenças crônicas).
* A **proposta**: considerar** diálise profilática** em não dialíticos de alto risco, principalmente em cirurgias cardíacas e quando há maior chance de instabilidade hemodinâmica e sobrecarga volêmica.
###### **Mas e na prática? O que fazer? **
O editorial "**Perioperative Dialysis: What is ‘Just Right’?" (JCVA 2023, [link](https://www.jcvaonline.com/article/S1053-0770(22)00923-5/fulltext)) **reforça a importância do equilíbrio:
* Objetivo: paciente euvolêmico no peso seco, K <5,5 mEq/L e sem uremia significativa.
* Diálise muito próxima da indução anestésica (<6–7h) pode aumentar risco de hipotensão e sangramento por heparinização residual.
* Manter o padrão de diálise regular (ex.: operar no dia seguinte à sessão) reduz o risco de descompensação.
* Ainda não há consenso sobre melhor intervalo para diálise no próprio dia da cirurgia; recomenda-se pelo menos 6 horas de intervalo para procedimentos de maior risco hemodinâmico
###### **Principais cirurgias de risco para o paciente renal**
* Cardíacas (revascularização, troca valvar, correção de aneurisma de aorta)
* Vasculares de grande porte (aorta abdominal/torácica)
* Transplantes e grandes cirurgias abdominais
* Neurocirurgias complexas
* Cirurgias ortopédicas extensas com risco elevado de sangramento e reposição volêmica
###### **Recomendação prática objetiva**
**1-Se paciente já em hemodiálise crônica:**
* Ideal: cirurgia no dia seguinte à diálise ou diálise no próprio dia se houver intervalo >1 dia desde a última sessão.
* Evitar interrupções no cronograma habitual de diálise.
* Se diálise no mesmo dia, manter intervalo ≥6h antes da indução (procedimentos de alto risco).
**2-Se paciente com DRC estágio 4-5, não dialítico, alto risco (creatinina ≥2,5–3 mg/dL + comorbidades + cirurgia de alto risco):**
* Considerar diálise eletiva pré-operatória para otimizar volume e eletrólitos.
* Avaliar junto com a equipe cirurgica e com anestesista caso a caso.
**3-Sempre monitorar:**
* Estado volêmico (peso seco, exame clínico, eventualmente ultrassom POCUS)
* Potássio e acidose
* Hemostasia (plaquetas, TP, TTPa, sangramento residual da diálise)
###### **Mensagem final do NefroAtual:**
O “ponto certo” para diálise pré-operatória está no equilíbrio: nem cedo demais para acumular toxinas e volume, nem tão próximo da indução que cause hipotensão e risco de sangramento. O ideal é manter o padrão de diálise habitual ou realizá-la no dia anterior, e em não dialíticos de alto risco, considerar a estratégia de diálise eletiva profilática caso a caso…
E você, já indicou diálise preemptiva para paciente não dialítico antes de cirurgia? Qual foi o critério que usou?
###### **Referências**:
* Fielding-Singh V, et al. Association Between Preoperative Hemodialysis Timing and Postoperative Mortality in Patients With End-stage Kidney Disease. JAMA. 2022;328(18):1837-1848.
* Khan JH, et al. The Role of Elective Perioperative Dialysis in Nondialysis Renal Failure Patients. Ann Thorac Surg. 2009;87(4):1085-1089.
* Cronin B, et al. Perioperative Dialysis: What is “Just Right”? J Cardiothorac Vasc Anesth. 2023;37:501-503.