Se tem uma coisa que 2025 deixou claro é que a nefrologia não mudou da noite para o dia — mas também não ficou parada. Depois de mais um ano acompanhando de perto os grandes estudos, discutindo dados aqui no NefroUpdates e destrinchando tudo nas coberturas de congresso, alguns pontos finalmente se consolidaram como os mais significativos. Não foi um ano de “milagres”, mas foi um ano em que aprendemos onde insistir, onde parar e onde vale a pena ajustar a rota. Nesta primeira parte, reunimos cinco temas que realmente fizeram diferença em 2025, começando pela sempre ingrata arena da diálise (com algumas surpresas boas, inclusive), passando pela doença cardiovascular, e chegando às glomerulopatias. Se olharmos para onde a nefrologia realmente tem avançado nos últimos anos, duas áreas se destacam de forma consistente: glomerulopatias e doença cardiovascular. Em 2025, esse padrão se repetiu, com os principais estudos trazendo evidências mais maduras justamente nesses dois tópicos.
Vamos lá para os artigos (as referencias estão no texto em forma de link) - mas vocês podem procurar no NefroUpdates também
## **ACHIEVE – Espironolactona em pacientes em hemodiálise**
O ACHIEVE trial foi pensado para testar uma hipótese fisiopatológica forte: o bloqueio do receptor mineralocorticoide poderia reduzir eventos cardiovasculares em pacientes em hemodiálise, uma população caracterizada por hipertrofia ventricular esquerda, fibrose miocárdica e alto risco de arritimia maligna. A espironolactona, eficaz na insuficiência cardíaca e na DRC não dialítica, parecia uma candidata natural para preencher essa lacuna terapêutica.
Apesar de um desenho robusto e monitorização rigorosa de segurança, o estudo não demonstrou redução significativa de desfechos cardiovasculares maiores. O resultado reforça uma lição recorrente dialise: mesmo intervenções com forte plausibilidade biológica frequentemente positivas na população não dialítica, falham em modificar desfechos duros quando aplicadas em fases muito avançadas da doença renal…
👉 Artigo original: **[link](https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736\(25\)01198-5/abstract)**

## **PISCES – Ômega-3 e eventos cardiovasculares em hemodiálise**
O PISCES, publicado no New England Journal of Medicine, representa uma exceção importante no cenário historicamente negativo dos trials cardiovasculares em diálise. Nesse trial randomizado multicêntrico, duplo-cego, com mais de 1200 pacientes em hemodiálise, a suplementação com n-3 polyunsaturated fatty acids (óleo de peixe) resultou em redução significativa de eventos cardiovasculares graves em comparação ao placebo.
O impacto do estudo vai além da significância estatística. Trata-se de uma intervenção simples, barata e com bom perfil de segurança, em uma população na qual estratégias farmacológicas complexas quase sempre falham. A separação consistente das curvas ao longo do seguimento sugere um efeito clínico real e importante, não apenas um beneficio discreto.
Para a prática clínica, o PISCES muda o status do ômega-3: deixa de ser apenas um suplemento “com plausibilidade” e passa a ser uma intervenção com evidência robusta de benefício cardiovascular em hemodiálise, merecendo consideração séria em pacientes selecionados.
Muitos pensam que foi “too good to be true”, mas aqui nos EUA a maioria dos nefrologistas estão prescrevendo sim, e ao mesmo tempo, querendo novas evidências que confirmem estes achados.
👉 Artigo original (NEJM): **[link](https://www.nejm.org/doi/abs/10.1056/NEJMoa2513032%20)**

## **NIgA – VISIONARY, ORIGIN-3 e APPLAUSE-IgAN**
Os estudos VISIONARY, ORIGIN-3 e APPLAUSE-IgAN simbolizam a transformação no tratamento da Nefropatia por IgA (NIgA). Diferentemente dos ensaios clássicos centrados em corticoides sistêmicos, esses trials exploram terapias direcionadas a mecanismos específicos da doença, como ativação imune anômala e inflamação glomerular sustentada mediada por complemento.
O ORIGIN-3, publicado no NEJM, demonstrou redução significativa de proteinúria com uma abordagem terapêutica mais específica, enquanto o VISIONARY e o APPLAUSE-IgAN ampliam esse conceito ao buscar maior eficácia com melhor perfil de segurança. Em conjunto, esses estudos reforçam a transição para uma NIgA tratada de forma mais precoce, personalizada e baseada em fisiopatologia.
O Sinbeprenlimab foi a primeira terapia direcionada especificamente às células B para Nefropatia por IgA já foi aprovada pelo FDA, e o atacicept, avaliado no estudo ORIGIN, deve estar disponível em breve. O iptacopan também já recebeu aprovação e vem sendo utilizado com frequência crescente, com respostas clínicas muito consistentes na prática real. Trata-se, sem exagero, de uma mudança de paradigma no tratamento da NIgA. Agora, o foco se volta para os desfechos de progressão da TFGe; a expectativa é de estabilização no grupo tratado, à semelhança do que foi observado no estudo de fase 2 com atacicept.
👉 ORIGIN-3 (NEJM): [link](https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2510198)
👉 VISIONARY: [link](https://www.nejm.org/doi/abs/10.1056/NEJMoa2512133)
👉 APPLAUSE-IgAN: [link](https://www.nejm.org/doi/abs/10.1056/NEJMoa2410316)


## **REGENCY Trial**
O REGENCY é um excelente exemplo da nova geração de ensaios clínicos nas glomerulopatias inflamatórias, desenhados para responder perguntas clínicas de forma mais rápida e pragmática. O estudo avaliou o obinutuzumabe, um anticorpo anti-CD20 de segunda geração, mais potente na depleção de células B do que o rituximabe, em pacientes com nefrite lúpica ativa. Em vez de esperar exclusivamente por desfechos tardios como progressão para ESKD, o trial priorizou desfechos substitutos clinicamente relevantes, como redução sustentada da proteinúria e preservação da função renal.
Esse desenho reconhece uma realidade bem conhecida na prática: aguardar anos por eventos “duros” frequentemente atrasa a incorporação de terapias que claramente reduzem a atividade da doença. No REGENCY, o uso do obinutuzumabe levou a maior taxa de resposta renal completa e mais rápida supressão da atividade inflamatória glomerular, reforçando o papel central das células B na fisiopatologia da nefrite lúpica.
Mais importante ainda, o estudo consolida o conceito emergente de terapia tripla nna nefrite lúpica: imunossupressão de base (micofenolato + corticosteroide em doses mais racionais), associada a uma terapia direcionada às células B.
👉 Artigo original: [link](https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2410965)

## **Inibidores da aldosterona sintase – um novo horizonte terapêutico**
Os inibidores da aldosterona sintase surgem como uma alternativa conceitualmente elegante ao bloqueio clássico do receptor mineralocorticoide. Ao agir diretamente na produção de aldosterona, essas drogas prometem manter benefícios hemodinâmicos e antiproteinúricos, potencialmente com menos efeitos colaterais como ginecomastia e hipercalemia.
Os dados iniciais são animadores, mas ainda exploratórios. O verdadeiro impacto dessa classe dependerá de ensaios com desfechos renais e cardiovasculares duros. Ainda assim, o conceito representa um passo importante na sofisticação do tratamento da hipertensão resistente e da DRC proteinúrica.
👉 Artigo original: [link](https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2507109)

Na próxima parte, seguimos olhando para onde a nefrologia realmente avançou em 2025 — agora fora da arena da diálise e das glomerulopatias clássicas. Vamos discutir implementação de terapias já consagradas, prevenção da IRA, quando menos diálise pode ser mais e até onde chegamos com o xenotransplante renal. Menos promessa, mais dado concreto — e, como sempre, tentando entender o que isso muda quando a teoria encontra a prática.
Até já já!!!