**Referência**: de Wolski K, Bansal N. Cardiac Biomarkers in Chronic Kidney Disease: Signal or Noise? CJASN, 2025 \[**[link](https://journals.lww.com/cjasn/abstract/9900/cardiac_biomarkers_in_chronic_kidney_disease_.767.aspx)**]
###### **Caso clínico**
Você acompanha um homem de 62 anos, DRC G4 (TFGe \~28 ml/min/1,73m²), proteinúria moderada, PA controlada, sem diagnóstico formal de insuficiência cardíaca. Em uma avaliação de rotina, vêm os exames: **NT-proBNP 950 pg/mL** e **troponina ultrassensível discretamente elevada**, estável em medidas seriadas.
Ele está assintomático. A pergunta inevitável surge: isso é “**falso positivo**” da DRC ou um **alerta real de risco cardiovascular**? Vale investigar mais? Mudar conduta?
É exatamente essa fronteira entre sinal clínico e ruído biológico que o artigo discute.
###### **Por que biomarcadores cardíacos são tão atraentes na DRC?**
Porque a DRC é, por si só, um estado de altíssimo risco cardiovascular. Até 50% dos pacientes com DRC avançada terão eventos cardiovasculares. Biomarcadores são:
* Acessíveis,
* Não invasivos,
* Potencialmente úteis para estratificação de risco, prognóstico e, quem sabe, monitoramento terapêutico.
**O problema?** A DRC distorce a interpretação por alguns motivos: menor depuração renal, inflamação crônica, anemia, hipertrofia ventricular esquerda e sobrecarga volêmica confundem a interpretação.

**Figura 1**. Visão geral dos biomarcadores cardíacos. ANP, peptídeo natriurético atrial; BNP, peptídeo natriurético tipo B; CRP, proteína C-reativa; GDF-15, fator de diferenciação do crescimento-15; NT-pro-BNP, fragmento N-terminal do pró-hormônio do peptídeo natriurético tipo B; RAAS, sistema renina-angiotensina-aldosterona; ST2, supressão da tumorigenicidade 2.
###### **NT-proBNP: ainda vale a pena na DRC?**
**Pergunta prática**: NT-proBNP alto na DRC significa insuficiência cardíaca?
**Resposta**: nem sempre diagnóstico, mas quase sempre prognóstico.
* Não existem pontos de corte validados específicos por TFGe.
* NT-proBNP sobe conforme a TFGe cai — não só por clearance, mas por doença cardíaca estrutural real.
* Estudos robustos (CRIC, GCKD, Dallas Heart Study) mostram associação consistente com:
1. insuficiência cardíaca incidente (especialmente HFrEF),
2. mortalidade cardiovascular,
3. progressão da DRC.
###### **Insight prático:**
Em vez de “número absoluto”, pense em linha de base individual e tendência ao longo do tempo. Um aumento >25% ao ano, por exemplo, já se associa a pior desfecho renal e cardiovascular.
Figura 2. Caracteristicas dos biomarcadores cardiacos
###### **Troponina na DRC: crônica ≠ irrelevante**
**Pergunta comum**: “Troponina sempre vem alta na DRC, posso ignorar?”
**Resposta**: definitivamente, não.
* Apenas 10–20% da troponina é depurada pelo rim.
* O restante reflete lesão miocárdica crônica subclínica (fibrose, microvasculopatia, cardiomiopatia urêmica).
* Em DRC avançada, até 70% dos pacientes têm troponina acima do percentil 99.
* Meta-análises mostram 2–4x mais eventos cardiovasculares e mortalidade quando a troponina está elevada.
**Insight prático**: Troponina estável e elevada = marcador de risco crônico, não IAM. O que importa é dinâmica (delta) e contexto clínico.
###### **E os biomarcadores “novos”? Vale pedir?**
###### **sST2**
* Não sofre influência da TFGe.
* Forte associação com remodelamento cardíaco e HFpEF.
* Ainda não amplamente disponível na prática clínica.
* Promissor, mas ainda sem cutoffs definidos na DRC.
###### **Galectina-3**
* Relacionada à fibrose.
* Clearance renal parcial → interpretação difícil.
* Resultados inconsistentes na DRC.
* Hoje, utilidade clínica limitada.
**GDF-15**
* Biomarcador de estresse celular e inflamação.
* Forte associação com mortalidade, HFpEF e caquexia.
* Influenciado por DRC, câncer, desnutrição.
* Excelente para prognóstico, fraco para monitorar tratamento.
###### **O que muda na prática do nefrologista?**
* Biomarcadores não substituem ecocardiograma, clínica ou bom senso.
* Eles ajudam a identificar quem é mais “cardiorrenalmente frágil”.
* O uso isolado é limitado; o futuro é abordagem multimarcador.
* Ainda não há evidência para tratar visando “alvo de biomarcador” na DRC.
##### **Mensagem final do NefroAtual**
Na DRC, biomarcadores cardíacos raramente são ruído puro.
Eles não fecham diagnóstico sozinhos, mas contam uma história de risco, remodelamento e prognóstico que o nefrologista não pode ignorar.
Menos obsessão por ponto de corte, mais atenção à trajetória de cada paciente.
E você? Já passou a olhar NT-proBNP e troponina como ferramentas de estratificação cardiorrenal, e não apenas como “exames alterados pela DRC”? Já usou essa informação para mudar seu acompanhamento clínico?