Embora a hemodiálise (HD) e as terapias extracorpóreas contínuas sejam o padrão nas UTIs, há contextos em que a diálise peritoneal (DP) se torna não apenas viável, mas estrategicamente vantajosa — e, em muitos casos, a única opção disponível.
📚 Referência: Ponce D, Rev Invest Clin. 2023 \[**[link](https://clinicalandtranslationalinvestigation.com/frame_esp.php?id=483)**]
##### **🔬 Situações adversas em que a DP pode (e deve) ser considerada**
###### **1. Cenários de recursos limitados**
\- Hospitais sem acesso a máquinas de HD ou CKRT.
\- Desastres naturais, pandemias e crises de insumos.
\- Permite terapia contínua e segura, sem depender de energia elétrica ou tratamento de água.
###### **2. Pacientes com contraindicações à HD**
\- Instabilidade hemodinâmica grave: DP evita oscilações bruscas de volume e pressão.
\- Distúrbios hemorrágicos ou anticoagulação ativa: não requer acesso vascular e minimiza risco de sangramento.
\- Crianças e idosos frágeis: melhor tolerância cardiovascular e menor risco de “desequilíbrio osmótico”.
###### **3. Condições clínicas específicas**
\- Síndrome cardiorrenal tipo 1: ultrafiltração suave, sem myocardial stunning; melhora o equilíbrio volêmico e permite otimizar doses de diuréticos e vasodilatadores.
\- Insuficiência hepática aguda ou ACLF: hemodiálise pode causar hipotensão e sangramento; DP remove ascite e corrige distúrbios metabólicos com estabilidade hemodinâmica.
\- Neurocríticos com risco de edema cerebral: DP oferece depuração contínua, evitando flutuações osmóticas da HD intermitente.
\- Pacientes sépticos em ventilação mecânica: estudos brasileiros mostram que HVPD (High-Volume PD) mantém boa oxigenação sem piorar a mecânica respiratória.
###### ** Prescrição prática: como operacionalizar**
Baseado em experiências clínicas do grupo da UNESP (**figura abaixo**)e nas diretrizes da ISPD (2020-2021)
\- Preferir cateter flexível (Tenckhoff), implantado percutaneamente à beira-leito.
\- Evitar cateter rígido e trocater antigo, que aumentam risco de vazamento e perfuração.
Parâmetro Recomendação
1. Volume por troca 2 L (≈20–30 mL/kg)
2. Tempo de permanência 35–50 min
3. Número de trocas 24 h contínuas (uso de cicladora)
4. Volume total diário 36–44 L/dia
5. Kt/V alvo 0,5–0,6 por sessão (≈3,5 semanal)
6. Solução Lactato 1,5%–2,5%; adicionar K+ se \<3,5 mEq/L
7. Nutrição 1,5 g proteína/kg/dia (suplementar se perdas ↑)
💉 Correções:
\- Hipoglicemia: ajustar insulina IV ou intraperitoneal.
\- Hipocalemia: adicionar 3–4 mEq/L de KCl à bolsa.
\- Ultrafiltração insuficiente após 3 sessões: considerar associação ou transição para HD.

###### **⚠️ Pontos de atenção**
\- Evitar em cirurgias abdominais recentes, hérnias não tratadas ou peritonite ativa.
\- Avaliar diariamente balanço hídrico e proteinúria peritoneal.
\- Supervisão multiprofissional é essencial (nefro + enfermagem + nutrição).
###### **✅ Conclusão**
A diálise peritoneal na IRA não é um resgate improvisado — é uma alternativa estratégica quando a HD é inviável ou deletéria. Em mãos experientes e com prescrição criteriosa, garante depuração adequada, controle volêmico e recuperação renal comparável às terapias extracorpóreas, mesmo em cenários críticos.
💡 Relembrar que a simplicidade técnica da DP não a torna inferior, mas sim inclusiva — capaz de salvar vidas onde a tecnologia não chega.