Referência: Bociek RG, Lunning M. Tumor Lysis Syndrome. N Engl J Med. 2025 \[**[link](https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMra2300923?url_ver=Z39.88-2003\&rfr_id=ori:rid:crossref.org\&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed)**]
###### **Caso clínico introdutório**
Homem de 56 anos com leucemia linfoblástica aguda, admitido para quimioterapia de indução. Após 24 horas, apresenta náuseas, fraqueza e oligúria. Exames revelam potássio 6,4 mmol/L, fósforo 6,9 mg/dL, cálcio 6,8 mg/dL e ácido úrico 11 mg/dL.
Será que poderíamos ter prevenido este quadro? E como conduzir a crise já estabelecida?
**Conceitos-chave:**
A lise tumoral resulta da destruição maciça de células neoplásicas, com liberação de potássio, fósforo e ácidos nucleicos (convertidos em ácido úrico). O acúmulo destes metabólitos pode causar hipercalemia, hiperfosfatemia, hipocalcemia e injúria renal aguda (IRA).

Figura 1. Fisiopatologia da Sindrome de lise Tumoral
A lise rápida de células leva à liberação de substâncias intracelulares — principalmente ácido úrico, potássio e fósforo — na circulação, produzindo efeitos sobre o sistema cardiovascular, musculatura esquelética, sistema nervoso central e rins. Esses efeitos renais podem ser agravados pela presença de azotemia pré-renal e pelo uso concomitante de drogas nefrotóxicas. A lesão renal aguda resultante reduz a excreção de potássio, fósforo e ácido úrico, levando à progressão do desequilíbrio metabólico e, eventualmente, à necessidade de terapia renal substitutiva (hemodiálise).
##### **Como Fazer o Diagnóstico?**
**Critérios laboratoriais (Cairo–Bishop modificados):**
Elevação ≥25% ou valores absolutos:
• Ácido úrico ≥8 mg/dL
• Fósforo ≥4,5 mg/dL (adultos)
• Potássio ≥6 mmol/L
• Cálcio corrigido \<7 mg/dL
**Critérios clínicos:**
IRA (Cr ≥1,5× limite superior), arritmia, convulsão, hipotensão ou morte associada às alterações metabólicas.
##### ** Estratificação de risco**

###### **Profilaxia e manejo prático**
**1. Hidratação**
• Iniciar 24–48h antes da quimioterapia.
• Soro fisiológico 0,9% 1–3 L/m²/dia → meta: diurese 2 mL/kg/h.
• Evitar alcalinização (piora fosfatemia e risco de precipitação de cálcio-fósforo).
• Monitorar balanço hídrico rigorosamente (evitar hipervolemia, associada a maior mortalidade).
**2. Profilaxia da hiperuricemia**

\* Estudos mostram eficácia da dose única (3–6 mg) em normalizar ácido úrico em 24–36h.
Coletar amostra de ácido úrico em tubo heparinizado e refrigerado (a enzima continua ativa in vitro).
🚫 Contraindicado em deficiência de G6PD → risco de hemólise e meta-hemoglobinemia.
Alternativas: ácido ascórbico, troca transfusional, glicose EV.

Os ácidos nucleicos purínicos são normalmente metabolizados, em taxas fisiológicas, para hipoxantina, xantina, ácido úrico e alantoína. Os inibidores da xantina-oxidase (alopurinol e febuxostate) reduzem os níveis de ácido úrico ao inibir a conversão de hipoxantina e xantina em ácido úrico. A rasburicase promove a conversão do ácido úrico em alantoína, um metabólito muito mais solúvel, facilitando sua excreção renal.
###### **3. Monitorização laboratorial**
• Baixo risco: urato, K, P, Cr antes da quimio e 24–48h depois.
• Moderado a alto risco: repetir a cada 6–12h nas primeiras 72h.
• ECG contínuo se distúrbios eletrolíticos.
##### **Tratamento da lise tumoral estabelecida**
**Hipercalemia**
• Gluconato de cálcio 10% – 10 mL EV em 2–5 min (repetir se ECG alterado)
• Glicoinsulina: 10 U insulina regular + 25 g glicose EV
• Beta-agonista (salbutamol nebulização)
• Diurético de alça se diurese preservada
• Hemodiálise intermitente ou contínua se refratário (>6,5 mmol/L com arritmia)
**Hiperfosfatemia / hipocalcemia**
• Soro fisiológico EV para aumentar excreção
• Quelantes orais (Sevelâmer 800–1600 mg VO 8/8h)
• Evitar reposição de cálcio, exceto se sintomático (tetania, arritmia)
• Diálise contínua preferida em pacientes com LRA ou hipocalcemia sintomática.
Hiperuricemia persistente
• Rasburicase adicional conforme níveis (1,5–7,5 mg EV).
##### **Situações especiais**
###### **• Venetoclax: **
Iniciar com ramp-up escalonado; hospitalizar nas duas primeiras doses se CrCl \<80 mL/min.
O Venetoclax é uma medicação antineoplásica oral que atua como inibidor seletivo da proteína BCL-2 (B-cell lymphoma 2) — uma proteína que impede a morte celular programada (apoptose) e costuma estar superexpressa em diversas neoplasias hematológicas.
Ao bloquear a BCL-2, o Venetoclax restaura o mecanismo natural de apoptose, levando à destruição rápida das células malignas, especialmente linfócitos neoplásicos, motivo pelo qual é altamente eficaz em doenças como leucemia linfocítica crônica (LLC), leucemia mieloide aguda (LMA) e linfoma de células do manto, entre outras. Seu efeito rápido e potente, embora benéfico, aumenta o risco de síndrome de lise tumoral, exigindo introdução com ramp-up (escalonamento de dose), hidratação e profilaxia com alopurinol ou rasburicase.
O Venetoclax é geralmente usado em combinação com outros agentes, como obinutuzumabe, azacitidina, decitabina ou rituximabe, e é uma das principais terapias-alvo da era moderna da onco-hematologia.
###### **• Pseudohipercalemia:**
Comum em leucocitoses extremas (>100.000); confirmar com gasometria (amostra sem centrifugação).
###### **• Pacientes com DRC avançada**
Avaliar cateter prévio e início precoce de terapia renal substitutiva se hipercalemia, hipofosfatemia grave ou anúria.
##### ** Monitorização pós-tratamento**
• Seguir urato, fósforo, cálcio e creatinina até normalização.
• Evitar nefrotóxicos (AINEs, IECAs, aminoglicosídeos, contraste).
• Manter vigilância 7 dias após início da quimioterapia.
##### **Mensagem final do NefroAtual**
A síndrome de lise tumoral é potencialmente letal, mas totalmente prevenível com vigilância laboratorial e hidratação precoce.
O uso racional da rasburicase, o controle rigoroso de eletrólitos e a identificação precoce dos pacientes de alto risco são o segredo do bom desfecho. E você? Tem acompanhado pacientes com lise tumoral? Como está seu conhecimento de onconefrologia?