**Referência**: Sridhar VS, Kugathasan L, Lytvyn Y, et al. Efficacy, Mechanisms and Safety of Sodium-Glucose Cotransporter-2 Inhibitors in Kidney Transplant Recipients (CJASN), 2025 \[**[link](https://journals.lww.com/cjasn/abstract/9900/efficacy,_mechanisms_and_safety_of_sodium_glucose.815.aspx)**]
###### **Caso clínico para começar a conversa**
Você está no ambulatório de transplante.
Homem, 54 anos, transplantado renal há 3 anos, TFGe 68 mL/min/1,73m², hipertenso, em tacrolimo + micofenolato + prednisona, com diabetes pós-transplante razoavelmente bem controlado.
**Ele pergunta:**
“Doutor, meu cardiologista falou em usar dapagliflozina para proteger o rim e o coração. Isso é seguro no rim transplantado?”
Você já deve ter se feito essa pergunta. E é exatamente isso que o estudo INFINITI tenta responder.
**Mas, por que pensar em iSGLT2 no paciente transplantado?**
Porque, apesar dos avanços no transplante, mais de 50% dos enxertos se perdem em 10 anos, e as duas grandes vilãs seguem sendo:
• Doença cardiovascular
• Declínio progressivo da função do enxerto
Os SGLT2i já mostraram benefícios robustos em rins nativos — independentes da glicemia — mas sempre excluíram transplantados dos grandes trials. O INFINITI nasce exatamente para preencher essa lacuna mecanística.
###### **O que o estudo fez exatamente?**
1-Desenho: randomizado, duplo-cego, placebo-controlado
2-População: 52 transplantados renais
* ≥ 6 meses de transplante
* TFGe ≥ 30 mL/min/1,73m²
* Com ou sem diabetes
3-Intervenção: dapagliflozina 10 mg vs placebo
4-Seguimento: 12 semanas
5-Avaliações finas de fisiologia renal e cardiovascular, incluindo:
* TFGe medida por iohexol
* Natriurese
* Pressão arterial
* Rigidez arterial
* Atividade simpática
* Segurança (infecção urinária, IRA, interação com ICN)
###### **Reduziu pressão arterial?**
Não reduziu PAS, que era o desfecho primário.
Mas reduziu a pressão arterial média (MAP) em cerca de 4 mmHg na primeira semana.
Insight prático:
O efeito anti-hipertensivo do SGLT2i no transplantado parece mais modesto do que em rins nativos — possivelmente pela fisiologia desnervada do enxerto e pelo uso de inibidores da calcineurina.
###### **E a função renal? Houve “dip” de TFGe?**
Sim — e isso é importante.
• Queda média de \~4 mL/min/1,73m² na 1ª semana
• Queda sustentada, porém estável, em 12 semanas
Interpretação correta:
Esse dip hemodinâmico é esperado, semelhante ao observado em rins nativos, e não se associou a dano estrutural, IRA significativa ou descontinuação da droga.
É provavelmente um marcador de redução da hipertensão intraglomerular, não de toxicidade.
###### **Teve natriurese? Ou só diurese osmótica?**
Aqui está um ponto sofisticado do estudo:
• Houve aumento da diurese (\~400 mL/dia)
• Sem aumento significativo da excreção de sódio
**Tradução prática:**
No transplantado, o iSGLT2 parece agir mais por diurese osmótica do que por natriurese clássica, possivelmente:
• Pelo efeito do tacrolimo favorecendo retenção de sódio
• Por mecanismos adaptativos tubulares diferentes
Isso reforça que os mecanismos no transplantado não são uma simples cópia do rim nativo.
###### **Ativou sistema simpático? Desestabilizou hemodinâmica?**
Não.
• Nenhum sinal de ativação simpática
• Nenhuma alteração relevante em variabilidade da FC
• Nenhum impacto negativo em rigidez arterial clinicamente relevante
###### **E a segurança?**
Aqui vem talvez o dado mais tranquilizador:
• Nenhum aumento de ITU ou infecção genital
• Nenhuma interação clinicamente relevante com tacrolimo
• Apenas 1 episódio de IRA, sem padrão causal claro
• Excelente tolerabilidade geral
###### **Mensagem foi clara:**
Os medos clássicos do uso de iSGLT2 no transplantado não se confirmaram neste estudo mecanístico.
###### **O que esse estudo muda na prática hoje?**
1. Mostra que os iSGLT2 são fisiologicamente ativos e seguros no transplantado renal estável
2. Confirma que o dip de TFGe também ocorre no enxerto, e provavelmente é benigno
3. Sugere que os mecanismos cardiorrenais estão preservados, embora com nuances
4. Mas ainda não prova redução de desfechos duros (perda de enxerto, CV, mortalidade)
###### **Mensagem final do NefroAtual**
O estudo INFINITI não é um trial de desfecho — mas é um passo essencial.
Ele nos diz que usar os iSGLT2 no paciente transplantado é plausível, racional e seguro, ao menos no cenário estável e com TFGe preservada.
Agora, a bola está com os grandes estudos clínicos.
**Você já se sente confortável em usar SGLT2i no seu paciente transplantado?**
Já observou o “dip” de TFGe na prática — e conseguiu explicá-lo com tranquilidade para o paciente? Comenta aqui