Referência: Choosing the right antihypertensive drug to avoid intradialytic hypotension, CKJ, 2025 \[**[link](https://academic.oup.com/ckj/article/18/Supplement_2/ii47/8284993#google_vignette)**]
###### **Caso clínico para começar**
Você está no plantão da HD.
Paciente de 68 anos, diabético, em hemodiálise há 6 meses, com HAS difícil no pré-HD. Usa carvedilol + losartana. Nas últimas semanas, tem feito hipotensão intradialítica frequente, com náuseas, câimbras e queda da pressão para 80–85 mmHg no final da sessão.
Ultrafiltração não parece exagerada, dialisato ok, peso seco revisado…
###### **A pergunta que fica é: será que o problema é o remédio anti-hipertensivo?**
Existe alguma classe que aumenta — ou diminui — o risco de hipotensão intradialítica (HID)?
###### É exatamente isso que este artigo tenta responder.
###### **Por que a hipotensão intradialítica é tão importante?**
Você já sabe, mas vale reforçar:
• A HID ocorre em 10–30% das sessões de HD
• Está associada a:
* Isquemia miocárdica e cerebral
* Pior qualidade de vida
* Falência de acesso
* Aumento de mortalidade
Ou seja, não é um “efeito colateral menor” da diálise.
###### **Os anti-hipertensivos realmente influenciam a HID?**
Sim — e provavelmente mais do que a gente imaginava.
O problema é que não temos ensaios clínicos randomizados desenhados para HID como desfecho.
Então, os autores usaram uma estratégia moderna e cada vez mais relevante: emulação de ensaio clínico (target trial emulation) com dados do mundo real.
**Figura 1. **Principais locais de ação farmacológica dos medicamentos anti-hipertensivos. Esses locais incluem os receptores adrenérgicos (α1 e β1), os gânglios simpáticos e os nervos que se conectam ao coração e aos vasos sanguíneos. Estão representados fármacos como os betabloqueadores, os bloqueadores α1 (por exemplo, prazosina, terazosina e labetalol), os diuréticos e os vasodilatadores diretos (por exemplo, bloqueadores dos canais de cálcio e hidralazina). A figura também destaca o papel do tronco encefálico, dos agonistas α2-adrenérgicos (por exemplo, clonidina) e do sistema renina–angiotensina, incluindo os IECA e os BRA. As células justaglomerulares e sua interação com os receptores β1-adrenérgicos são ilustradas para demonstrar o efeito redutor de renina dessas medicações.
###### **Como foi o estudo que embasa o artigo?**
• Base de dados: EuCliD (Fresenius NephroCare – Europa)
• Pacientes: 4.072 pacientes incidentes em HD
• Estratégia: pacientes iniciando monoterapia anti-hipertensiva
• Classes comparadas:
* Bloqueadores de canal de cálcio (BCC)
* Betabloqueadores e alfa-betabloqueadores
* IECA / BRA
* Diuréticos
• Desfecho: hipotensão intradialítica (PAS \< 90 mmHg)
Os BCCs foram usados como grupo de referência.
###### **Qual classe teve menor risco de hipotensão intradialítica?**
Bloqueadores de canal de cálcio (BCC)
**Eles apresentaram:**
• Menor incidência de HID
• Menor risco ajustado quando comparados a todas as outras classes
**Esse efeito foi consistente independentemente de:**
• idade
• sexo
• presença de insuficiência cardíaca
• diabetes
• pressão pré-diálise
• temperatura do dialisato
###### **Quais classes aumentaram mais o risco de HID?**
Aqui está o ranking prático que você pode levar direto para a clínica:
###### **Maior risco**
**Betabloqueadores e alfa-betabloqueadores**
• OR ≈ 2,27
• Incidência: 25,3 eventos/pessoa-ano
• Mecanismo: redução da FC e da contratilidade → resposta cardiovascular prejudicada durante UF
###### ** Risco intermediário**
IECA / BRA
• OR ≈ 1,71
• Vasodilatação sistêmica pode atrapalhar a compensação hemodinâmica
Diuréticos
• OR ≈ 1,52
• Principalmente em pacientes com diurese residual → depleção intravascular
###### **Menor risco**
Bloqueadores de canal de cálcio
• Incidência: 7,4 eventos/pessoa-ano
• Melhor estabilidade pressórica durante a HD

**Isso significa que devo suspender betabloqueador de todo paciente em HD?**
Não é tão simples!
O artigo não diz para “abolir” classes, mas sim para individualizar:
• Paciente com HID recorrente → repensar betabloqueador como primeira escolha
• Paciente com DAC, IC ou arritmia → o benefício cardiovascular ainda pesa
• Estratégias possíveis:
* Reduzir dose
* Ajustar horário (pós-HD) - eu uso essa
* Trocar a classe quando possível
* Priorizar BCC quando HID é o grande problema
###### **E quanto à farmacocinética e dializabilidade?**
Outro ponto forte do artigo:
• Muitos betabloqueadores (atenolol, metoprolol) são dialisáveis
• IECA em geral são dialisáveis (exceção: fosinopril)
• BCCs não são dialisáveis → níveis mais estáveis durante a sessão
Isso ajuda a explicar por que os BCCs se comportam melhor na prática.
Insight prático do NefroAtual
Em paciente em HD com hipotensão intradialítica frequente, antes de culpar só a UF ou o peso seco, olhe com carinho para o anti-hipertensivo.
**Se a HAS permitir:**
• Bloqueador de canal de cálcio pode ser a classe mais “amigável” à diálise
• Betabloqueadores, IECA/BRA e diuréticos exigem mais vigilância
###### **Mensagem final do NefroUpdates**
1. Hipotensão intradialítica não é inevitável — muitas vezes ela é iatrogênica…
2. Este trabalho mostra que a escolha do anti-hipertensivo faz diferença real, mensurável e clinicamente relevante.
E você? Já parou para trocar a classe do anti-hipertensivo pensando especificamente na HID?
Ou ainda trata a hipotensão intradialítica só ajustando UF e soro? Comenta aqui